Papa Francisco

JMJ 23: Que Rota Segues, Ocidente?

Os principais discursos (oficiais e improvisados) e a homilia no Campo da Graça do Papa Francisco durante a JMJ 23. Do anseio universal e disruptivo de que, «na Igreja, há espaço para todos, todos, todos», da urgência da paz, à conquista do medo, na despedida de Lisboa.

«Maria levantou-se e partiu apressadamente» (Lc 1, 39) foi a citação bíblica escolhida pelo Papa Francisco como lema da JMJ 23 que aconteceu, pela primeira vez, em Lisboa e em Portugal. A frase dá início ao relato da Visitação (a visita de Maria a sua prima Isabel), um episódio bíblico que se segue à Anunciação – o anúncio do anjo a Maria de que iria ser a mãe do Filho de Deus – que foi o tema da edição, na cidade do Panamá, imediatamente anterior à JMJ 23. 

Na conversa que tem com Maria, na Anunciação, o anjo diz-lhe também que a sua prima, de idade avançada e considerada estéril, estava grávida. É então que Maria, depois de afirmar ao anjo «Eis aqui a serva do Senhor, faça-se em mim segundo a tua palavra» (Lc 1, 38), se põe a caminho de Ain Karim, uma povoação perto de Jerusalém, onde vivia Isabel que esperava o nascimento de João, que seria São João Baptista. No episódio bíblico da Visitação, a ação de levantar-se apresenta Maria, simultaneamente, como mulher de caridade e mulher missionária. Partir apressadamente é a atitude com a qual se sintetizam as indicações do Papa Francisco para a JMJ 23, como explicou D. Manuel Clemente na 196.ª Assembleia Plenária da Conferência Episcopal Portuguesa: «que sejam de evangelização ativa e missionária por parte dos jovens, que assim mesmo reconhecerão e testemunharão a presença de Cristo vivo».

Dirigindo-se particularmente aos jovens, desafiando-os a serem missionários corajosos, o Papa escreve na Exortação Apostólica Christus Vivit: «Onde nos envia Jesus? Não há fronteiras, não há limites: Ele envia-nos a todos. O Evangelho não é para alguns, mas para todos» (CV 177). A expressão «todos» tornou-se a grande mensagem dos dias em que Francisco esteve em Portugal, como foi fácil perceber ao acompanhar o impacto nos media do primeiro discurso na Colina do Encontro. Mas vale a pena ler os restantes principais discursos da JMJ 23 onde o Papa foi, imensas vezes, disruptivo.

CCB (2 de Agosto. JMJ 23)

Saúdo-vos cordialmente e agradeço ao Senhor Presidente o acolhimento e as amáveis palavras que me dirigiu. Estou feliz por estar em Lisboa, cidade do encontro que abraça vários povos e culturas e que, nestes dias, se mostra ainda mais universal; torna-se, de certo modo, a capital do mundo. Isto condiz bem com o seu caráter multiétnico e multicultural (penso, por exemplo, no bairro da Mouraria, onde convivem pessoas provenientes de mais de sessenta países) e revela os traços cosmopolitas de Portugal, que afunda as suas raízes no desejo de se abrir ao mundo e explorá-lo, navegando rumo a novos e amplos horizontes. Não muito longe deste lugar, no Cabo da Roca, está gravada a frase dum grande poeta desta cidade: «Aqui… onde a terra se acaba e o mar começa» (L. Vaz de Camões, Os Lusíadas, canto III, 20). Durante séculos, acreditou-se que lá estivessem os confins do mundo. E em certo sentido é verdade, porque este país confina com o oceano, que delimita os continentes. E, do oceano, Lisboa conserva o abraço e o perfume.

Faço meu, com muito gosto, aquilo que os portugueses costumam cantar: «Lisboa tem cheiro de flores e de mar» (A. Rodrigues, Cheira bem, cheira a Lisboa, 1972). Muito mais do que um elemento paisagístico, o mar é um apelo que não cessa de ecoar no ânimo de cada português, podendo uma vossa poetisa celebrá-lo como «mar sonoro, mar sem fundo, mar sem fim» (S. de Mello Breyner Andresen, Mar sonoro). À vista do oceano, os portugueses são levados a refletir sobre os imensos espaços da alma e sobre o sentido da vida no mundo. Nesta linha, gostaria também eu de partilhar convosco algumas reflexões, deixando-me levar pela imagem do oceano.Segundo a mitologia clássica, Oceano é filho do céu (Urano): a sua vastidão leva os mortais a olharem para cima elevando-se para o infinito. Ao mesmo tempo, Oceano é filho da terra (Gea) que abraça, convidando assim a envolver de ternura todo o mundo habitado.

Com efeito, o oceano não liga apenas povos e países, mas também terras e continentes; por isso Lisboa, cidade do oceano, lembra a importância do conjunto, a importância de conceber as fronteiras, não como limites que separam, mas como zonas de contacto. As grandes questões hoje, como sabemos, são globais e já muitas vezes tivemos de fazer experiência da ineficácia da nossa resposta às mesmas, precisamente porque o mundo, diante de problemas comuns, se mantém dividido ou pelo menos não suficientemente unido, incapaz de enfrentar juntos aquilo que nos põe em crise a todos. Parece que as injustiças planetárias, as guerras, as crises climáticas e migratórias correm mais rapidamente do que a capacidade e, muitas vezes, a vontade de enfrentar em conjunto tais desafios.

Lisboa pode sugerir uma mudança de ritmo. Em 2007, foi assinado aqui o homónimo Tratado de reforma da União Europeia. Nele se lê que «a União tem por objetivo promover a paz, os seus valores e o bem-estar dos seus povos» (Tratado de Lisboa que altera o Tratado da União Europeia e o Tratado que institui a Comunidade Europeia, art. 1.4/2.1); mas vai mais longe afirmando que, «nas suas relações com o resto do mundo (…), contribui para a paz, a segurança, o desenvolvimento sustentável do planeta, a solidariedade e o respeito mútuo entre os povos, o comércio livre e equitativo, a erradicação da pobreza e a proteção dos direitos humanos» (art. 1,4/2.5). Não se trata apenas de palavras, mas de marcos miliários no caminho da comunidade europeia, esculpidos na memória desta cidade. Este é o espírito do conjunto, animado pelo sonho europeu dum multilateralismo mais amplo do que o mero contexto ocidental.

Segundo uma etimologia, que é objeto de discussão, o nome Europa derivaria duma palavra que indica a direção do Ocidente. O certo é que Lisboa constitui a capital mais ocidental da Europa continental, lembrando a necessidade de abrir caminhos de encontro mais vastos, como, aliás, Portugal está a fazer sobretudo com os países de outros continentes irmanados pela mesma língua. Espero que a Jornada Mundial da Juventude (JMJ 23) seja, para o «velho continente», velho, digamos, continente antigo, um impulso de abertura universal. Na verdade, o mundo tem necessidade da Europa, da Europa verdadeira: precisa do seu papel de construtora de pontes e de pacificadora no Leste europeu, no Mediterrâneo, na África e no Médio Oriente.

Que rota segues, Ocidente? A tua tecnologia, que marcou o progresso e globalizou o mundo, sozinha não basta; e muito menos bastam as armas mais sofisticadas, que não representam investimentos para o futuro, mas empobrecimento do verdadeiro capital humano que é a educação, a saúde, o Estado social.

Papa Francisco, JMJ 23

Assim poderá a Europa trazer, para o cenário internacional, a sua originalidade específica; vimo-la delineada no século passado quando, do crisol dos conflitos mundiais, fez saltar a centelha da reconciliação, tornando verdadeiro o sonho de se construir o amanhã juntamente com o inimigo de ontem, o sonho de abrir percursos de diálogo e inclusão, desenvolvendo uma diplomacia da paz que extinga os conflitos e acalme as tensões, capaz de captar o mais débil sinal de distensão e de o ler por entre as linhas mais tortas da realidade.

No oceano da história, estamos a navegar num momento tempestuoso e sente-se a falta de rotas corajosas de paz. Olhando com grande afeto para a Europa, no espírito de diálogo que a carateriza, apetece perguntar-lhe: Para onde navegas, se não ofereces percursos de paz, vias inovadoras para acabar com a guerra na Ucrânia e com tantos conflitos que ensanguentam o mundo? E ainda, alargando o campo: Que rota segues, Ocidente? A tua tecnologia, que marcou o progresso e globalizou o mundo, sozinha não basta; e muito menos bastam as armas mais sofisticadas, que não representam investimentos para o futuro, mas empobrecimento do verdadeiro capital humano que é a educação, a saúde, o Estado social.

Fica-se preocupado ao ler que, em muitos lugares, se investem continuamente os recursos em armas e não no futuro dos filhos. Investe-se mais nas fábricas de armas do que no futuro dos filhos. Sonho uma Europa, coração do Ocidente, que use o seu engenho para apagar focos de guerra e acender luzes de esperança; uma Europa que saiba reencontrar o seu ânimo jovem, sonhando a grandeza do conjunto e indo além das necessidades imediatas; uma Europa que inclua povos e pessoas, com a própria cultura, sem correr atrás de teorias e colonizações ideológicas. Aqui penso no pai fundador da União Europeia, que sonhava em grande.

Com a sua imensa vastidão de água, o oceano recorda as origens da vida. No mundo evoluído de hoje, paradoxalmente, tornou-se prioritário defender a vida humana, posta em risco por derivas utilitaristas que a usam e descartam. Penso em tantas crianças não-nascidas e idosos abandonados a si mesmos, na dificuldade de acolher, proteger, promover e integrar quem vem de longe e bate às nossas portas, no desamparo em que são deixadas muitas famílias com dificuldade para trazer ao mundo e fazer crescer os filhos. Também aqui apetece perguntar: Para onde navegais, Europa e Ocidente, com o descarte dos idosos, os muros de arame farpado, as mortandades no mar e os berços vazios? Para onde ides se, perante o tormento de viver, vos limitais a oferecer remédios rápidos e errados como o fácil acesso à morte, solução cómoda que parece doce, mas na realidade é mais amarga que as águas do mar? Penso em tantas leis sofisticadas sobre a eutanásia…

Mas Lisboa, abraçada pelo oceano, oferece-nos motivos para esperar. Há uma maré de jovens que se espraia sobre esta cidade acolhedora. Quero agradecer o grande trabalho e generoso empenho empreendidos por Portugal para acolher um evento tão complexo de gerir, mas fecundo de esperança, pois – como se diz por aqui – «ao lado dos jovens, não se envelhece». Jovens provenientes de todo o mundo que cultivam anseios de unidade, paz e fraternidade, desafiam-nos a realizar os seus sonhos bons. Não andam pelas ruas a gritar a sua raiva, mas a partilhar a esperança do Evangelho – a esperança da vida. E se, em muitos lugares, se respira hoje um clima de protesto e insatisfação, terreno fértil para populismos e conspirações, a Jornada Mundial da Juventude é uma ocasião para construir juntos. Reaviva o desejo de criar coisas novas, fazer-se ao largo e navegar juntos rumo ao futuro. Vêm à mente algumas palavras ousadas de Fernando Pessoa: «Navegar é preciso; viver não é preciso (…); o que é necessário é criar» (Navegar é preciso). Trabalhemos, pois, com criatividade para construirmos juntos! Imagino três estaleiros de construção da esperança onde podemos trabalhar todos unidos: o ambiente, o futuro, a fraternidade.

ambiente. Portugal partilha com a Europa muitos esforços exemplares na defesa da criação. Mas o problema global continua extremamente grave: os oceanos aquecem e, das suas profundezas, sobe à superfície a torpeza com que poluímos a nossa casa comum. Estamos a transformar as grandes reservas de vida em lixeiras de plástico. O oceano lembra-nos que a existência humana é chamada a viver de harmonia com um ambiente maior do que nós; este deve ser guardado com cuidado, tendo em conta as gerações mais novas. Como podemos dizer que acreditamos nos jovens, se não lhes dermos um espaço sadio para construir o seu futuro?

futuro é o segundo estaleiro de obras. E o futuro são os jovens. Mas muitos fatores os desanimam, como a falta de trabalho, os ritmos frenéticos em que se veem imersos, o aumento do custo de vida, a dificuldade de encontrar uma casa e, ainda mais preocupante, o medo de constituir família e trazer filhos ao mundo. Na Europa e, em geral, no Ocidente, assiste-se a uma triste fase descendente na curva demográfica: o progresso parece ser uma questão que diz respeito ao desenvolvimento técnico e ao conforto dos indivíduos, enquanto o futuro pede para se contrariar a queda da natalidade e o declínio da vontade de viver. A boa política pode fazer muito neste sentido; pode gerar esperança. Com efeito, não é chamada a conservar o poder, mas a dar às pessoas a possibilidade de esperar. É chamada, hoje mais do que nunca, a corrigir os desequilíbrios económicos dum mercado que produz riquezas, mas não as distribui, empobrecendo de recursos e de certezas os ânimos. É chamada a voltar a descobrir-se como geradora de vida e de cuidado da criação, a investir com clarividência no futuro, nas famílias e nos filhos, a promover alianças intergeracionais, onde não se apague o passado, mas se favoreçam os laços entre jovens e idosos. A isto mesmo faz apelo o sentimento da saudade portuguesa, que exprime nostalgia, desejo dum bem ausente, que só renasce em contacto com as próprias raízes. Neste sentido, é importante a educação, que não pode limitar-se a fornecer noções técnicas para se progredir economicamente, mas destina-se a introduzir numa história, transmitir uma tradição, valorizar a necessidade religiosa do homem e favorecer a amizade social.

O último estaleiro de esperança é o da fraternidade, que nós, cristãos, aprendemos do Senhor Jesus Cristo. Em muitas partes de Portugal, está ainda muito vivo o sentido de vizinhança e solidariedade. Contudo, no contexto geral duma globalização que nos aproxima, mas não nos dá uma proximidade fraterna, somos todos chamados a cultivar o sentido da comunidade, começando por ir ter com quem vive ao nosso lado. Com efeito, como observou Saramago, «o que dá verdadeiro sentido ao encontro é a busca; e é preciso andar muito, para se alcançar o que está perto» (Todos os nomes, 1997). Como é bom voltar a descobrir nos irmãos e irmãs, trabalhar pelo bem comum, deixando para trás contrastes e diferenças de visão! Também aqui servem de exemplo os jovens que nos levam, com o seu grito de paz e ânsia de vida, a derrubar as rígidas divisórias de pertença erguidas em nome de opiniões e crenças diversas. Soube de muitos jovens que cultivam, aqui, o desejo de se fazerem próximo dos outros; penso na iniciativa «Missão País», que leva milhares de jovens a viver no espírito do Evangelho experiências de solidariedade missionária em zonas periféricas, sobretudo nas aldeias do interior, indo ao encontro de muitos idosos sozinhos. Quero agradecer e encorajar a tantos que na sociedade portuguesa se preocupam com os outros, nomeadamente a Igreja, e que fazem tanto bem mesmo longe dos holofotes. Sintamo-nos chamados, todos juntos fraternalmente, a dar esperança ao mundo em que vivemos e a este magnífico país. Deus abençoe Portugal!

Este discurso não foi exactamente parte das celebrações com os jovens na JMJ 23 e é por isso mais denso, estruturado e formal. Pelas suas repetidas referências a autores portugueses, acreditamos que possa ter sido redigido em estreita colaboração com o Cardeal José Tolentino Mendonça, que acompanhou o Papa em quase todos os momentos da JMJ 23.

Acolhimento (2 de Agosto. JMJ 23)

Sede bem-vindos e obrigado por estarem aqui. Fico feliz por vos ver e também por escutar o simpático barulho que fazeis, contagiando-me com a vossa alegria. É bom estarmos juntos em Lisboa nesta JMJ 23: para aqui fostes chamados por mim, pelo Patriarca, a quem agradeço as suas palavras, pelos vossos Bispos, sacerdotes, catequistas e animadores. Agradeçamos-lhes por isso com uma grande salva de palmas! Mas foi sobretudo Jesus quem vos chamou: agradeçamos-Lhe com um forte aplauso!

Amigos, não estais aqui por acaso. O Senhor chamou-vos, não só nestes dias (JMJ 23), mas desde o início dos vossos dias. Sim, Ele chamou-vos pelo nome. Chamados pelo nome: tentai imaginar estas três palavras escritas em letras grandes e, em seguida, pensai que estão escritas dentro de vós, nos vossos corações, como que formando o título da vossa vida, o sentido do que sois: tu és chamado pelo nome, tu és chamada pelo nome, eu sou chamado pelo nome. Nenhum de nós é cristão por casualidade. Todos fomos chamados pelo nosso nome. Ao princípio da teia da vida, ainda antes dos talentos que possuímos, das sombras e feridas que carregamos dentro de nós, recebemos um chamamento. Chamados, porque amados. É lindo. Aos olhos de Deus somos filhos preciosos, que Ele cada dia chama para abraçar e encorajar; para fazer de cada um de nós uma obra-prima única e original, cuja beleza mal conseguimos vislumbrar.

Nesta JMJ 23, ajudemo-nos a reconhecer esta realidade essencial: sejam estes dias ecos vibrantes da chamada amorosa de Deus, porque somos preciosos a seus olhos, apesar do que às vezes os nossos olhos veem, enevoados pela negatividade e ofuscados por tantas distrações. Que estes sejam dias em que o teu nome, através de irmãos e irmãs de muitas línguas e nações que o pronunciam com amizade, ressoe como uma notícia única na história, porque único é o pulsar do coração de Deus por ti. Sejam dias para fixar no coração que somos amados tal como somos. Este é o ponto de partida da JMJ 23, mas sobretudo da vida. Somos amados como somos, sem maquilhagem. Entendem isto?

E somos chamados pelo nome: não é um simples modo de dizer, é Palavra de Deus (cf. Is 43, 1; 2 Tm 1, 9). Amigo, amiga, se Deus te chama pelo nome significa que, para Ele, não és um número, mas um rosto, um coração. Quero fazer-te notar uma coisa: muitos, hoje, sabem o teu nome, mas não te chamam pelo nome. Com efeito, o teu nome é conhecido, aparece nas redes sociais, é processado por algoritmos que lhe associam gostos e preferências. Mas tudo isso não interpela a tua singularidade, mas a tua utilidade para pesquisas de mercado.

Quantos lobos se escondem por trás de sorrisos de falsa bondade, dizendo que conhecem quem és, mas sem te querer bem, insinuando que creem em ti e prometendo que serás alguém, para depois te deixarem sozinho, quando já não lhes fores útil. São as ilusões do mundo virtual e devemos estar atentos para não nos deixarmos enganar, porque muitas realidades que nos atraem e prometem felicidade mostram-se depois pelo que são: coisas vãs, supérfluas, substitutos que deixam o vazio interior. Jesus, não é assim! Ele tem confiança em ti, para Ele cada um de nós conta. E assim nós, sua Igreja, somos a comunidade dos chamados: não dos melhores – não, absolutamente não –, somos todos pecadores, mas somos todos convocados assim como somos.

Transmissão integral da Cerimónia de Acolhimento da JMJ 23

Pensemos um pouco sobre isto no nosso coração. Somos chamados como somos, com os nossos problemas, com as limitações que temos, com a nossa alegria transbordante, com esta vontade de sermos melhores e de triunfar. Somos chamados como somos. Pensem nisto. Jesus chama-me como sou, não como querem que seja. Somos a comunidade dos irmãos e irmãs de Jesus, filhos e filhas do mesmo Pai. Amigos, quero ser claro convosco, que sois alérgicos às falsidades e a palavras vazias: na Igreja há espaço para todos. Para todos! Na Igreja ninguém está a mais, há espaço para todos, assim como todos. E Jesus disse isso claramente quando chamou os discípulos para o banquete de um senhor que o tinha preparado e disse tragam todos: jovens e velhos, doentes e sãos, justos e pecadores. Todos, todos, todos.

Na Igreja há lugar para todos. “Padre, eu sou um desgraçado ou uma desgraçada. Há lugar para mim?” Há lugar para todos, juntos, cada um na sua língua. Cada um na sua língua repitam comigo: todos, todos, todos. Esta é a Igreja, a Mãe de todos. O Senhor não aponta o dedo, mas abre os braços, abraça-nos a todos: assim no-Lo mostra Jesus na cruz. Não fecha a porta, mas convida a entrar; não mantém à distância, mas acolhe. Nestes dias transmitamos a sua mensagem de amor. Deus ama-nos, Deus chama-nos. Que lindo é isto. Esta tarde fizeram-me muitas perguntas. Nunca se cansem de perguntar. E perguntar, é bom; aliás, muitas vezes é melhor que dar respostas, pois quem pergunta permanece «inquieto» e a inquietude é o melhor remédio contra a habituação, aquela normalidade rasteira que anestesia a alma.

Cada um de nós tem um “interrogador” dentro… todos temos questões interiores, quando rezamos diante de Deus colocamos perguntas que vão sendo respondidas ao longo da vida. Só temos de saber esperar. Deus ama por surpresa. Não está programado. O amor de Deus é surpresa. Sempre surpreende, sempre nos mantém alertas e surpreende. Queridos amigos e amigas. Deus ama-nos como somos. Não como querem que sejamos ou a sociedade quer. Ama-nos com os nossos defeitos, com as limitações que temos e a vontade que temos de seguir em frente na vida. Deus nos chama a si. Confiem, porque Deus é Pai que nos quer e ama.

Isto não é muito fácil e para isso temos uma grande ajuda: a Mãe do Senhor, que é a nossa Mãe também. Era isto que vos queria dizer. Não tenham medo, tenham coragem, vão em frente, sabendo que estamos amparados pelo amor de Deus. Deus nos ama. Digam todos: Deus nos ama. Obrigado a todos os presentes e os que acompanham a JMJ 23.

Universidade Católica (3 de Agosto. JMJ 23)

Obrigado, senhora Reitora, pelas suas palavras. Afirmou que todos nos sentimos «peregrinos», palavra esta cujo significado merece ser meditado. Literalmente, significa deixar de lado a rotina habitual e pôr-se a caminho com um intento, que pode ser o de um passeio pelos campos ou ir mais além dos nossos confins habituais; seja como for, deixando o espaço de conforto pessoal rumo a um horizonte de sentido. Na imagem do «peregrino», espelha-se a condição humana, pois todos somos chamados a confrontar-nos com grandes interrogativos para os quais não basta uma resposta simplista ou imediata, mas convidam a realizar uma viagem, superando-se a si mesmo, indo mais além. Trata-se dum processo que um universitário compreende bem, pois é assim que nasce a ciência. E de igual modo cresce também a busca espiritual.

Desconfiemos das fórmulas pré-fabricadas, das respostas que nos parecem ao alcance da mão, extraídas da manga como se fossem cartas viciadas de jogar; desconfiemos das propostas que parecem dar tudo sem pedir nada. Vemos numa parábola de Jesus que só encontra a pérola de grande valor quem a procura com sabedoria e iniciativa, quem dá tudo e arrisca tudo o que tem para a possuir (cf. Mt 13, 45-46). Procurar e arriscar: eis os verbos dos peregrinos. Fernando Pessoa diz, de modo atormentado, mas correto, que «ser descontente é ser homem» (Mensagem, O Quinto Império). Não devemos ter medo de nos sentir inquietos, de pensar que tudo o que possamos fazer não basta. Neste sentido e dentro duma justa medida, ser descontente é um bom antídoto contra a presunção da autossuficiência e o narcisismo. O ser incompleto carateriza a nossa condição de indagadores e peregrinos, pois, como diz Jesus, estamos no mundo, mas não somos do mundo (cf. Jo 17, 16). Somos chamados a algo mais, a uma decolagem sem a qual não há voo. 

Portanto, não nos alarmemos se nos encontramos intimamente sedentos, inquietos, incompletos, desejosos de sentido e de futuro, com saudades do futuro. Não estamos doentes, mas simplesmente vivos! Preocupemo-nos antes quando estamos prontos a substituir a estrada a fazer por qualquer estação de serviço que nos dê a ilusão do conforto; quando substituímos os rostos pelos ecrãs, o real pelo virtual; quando, em vez das perguntas lacerantes, preferimos as respostas fáceis que anestesiam.

Amigos, permiti dizer-vos: procurai e arriscai. Neste momento histórico, os desafios são enormes e os gemidos dolorosos, mas abracemos o risco de pensar que não estamos numa agonia, mas num parto; não no fim, mas no início dum grande espetáculo. Por isso sede protagonistas duma «nova coreografia» que coloque no centro a pessoa humana, sede coreógrafos da dança da vida. As palavras da senhora Reitora serviram-me de inspiração sobretudo quando afirmou que «a universidade não existe para se preservar como instituição, mas para responder com coragem aos desafios do presente e do futuro». A auto-preservação é uma tentação, um reflexo condicionado pelo medo, que nos faz olhar para a existência de forma distorcida. Se as sementes se preservassem a si mesmas, desperdiçariam completamente a sua força geradora e condenar-nos-iam à fome; se os invernos se preservassem a si mesmos, não existiria a maravilha da primavera. Por isso, tende a coragem de substituir os medos pelos sonhos: não administradores de medos, mas empreendedores de sonhos!

À Universidade que se comprometeu a formar as novas gerações, seria um desperdício pensá-la apenas para perpetuar o actual sistema elitista e desigual do mundo com o ensino superior que continua a ser um privilégio de poucos. Se o conhecimento não for acolhido como uma responsabilidade, torna-se estéril.

Papa Francisco, JMJ 23

À Universidade que se comprometeu a formar as novas gerações, seria um desperdício pensá-la apenas para perpetuar o actual sistema elitista e desigual do mundo com o ensino superior que continua a ser um privilégio de poucos. Se o conhecimento não for acolhido como uma responsabilidade, torna-se estéril. Se quem recebeu um ensino superior –que hoje, em Portugal e no mundo, continua a ser um privilégio –, não se esforça por restituir aquilo de que beneficiou, significa que não compreendeu profundamente o que lhe foi oferecido. No Génesis, as primeiras perguntas que Deus faz ao homem são: «Onde estás?» (3, 9) e «Onde está o teu irmão?» (4, 9). Ponhamo-nos a pergunta: Onde estou? Permaneço fechado no meu mundo ou abraço o risco de sair das minhas seguranças para me tornar um cristão praticante, um artesão de justiça e beleza? E perguntemo-nos ainda: Onde está o meu irmão? Experiências de serviço fraterno como a «Missão País» e muitas outras, que nascem no meio académico, deveriam ser consideradas indispensáveis para quem passa por uma universidade.

Com efeito, o título de estudo não deve ser visto apenas como uma licença para construir o bem-estar pessoal, mas como um mandato para se dedicar a uma sociedade mais justa e inclusiva, ou seja, mais avançada. Disseram-me que a vossa grande poetisa Sophia de Mello Breyner Andresen, em entrevista que é uma espécie de testamento, à pergunta «o que gostaria de ver realizado em Portugal neste novo século?», respondeu sem hesitar: «Gostaria que se realizasse a justiça social, a diminuição das diferenças entre ricos e pobres» (“Entrevista feita por Joaci Oliveira”, Cidade Nova, n.º 3/2001). Dirijo agora a mesma pergunta a vós, caros estudantes, peregrinos do saber: Que quereis ver realizado em Portugal e no mundo? Quais mudanças, quais transformações? E como pode a universidade, especialmente a Católica, contribuir para isso?

Beatriz, Mahoor, Mariana e Tomás, agradeço os vossos testemunhos. Em todos havia um tom de esperança, uma carga de entusiasmo realista, sem queixumes nem escapadelas idealistas. Quereis ser «protagonistas da mudança», como disse a Mariana. Ao escutar-vos veio-me ao pensamento uma frase do escritor Almada Negreiros, que talvez vos seja familiar: «Sonhei com um país onde todos chegavam a Mestres» (A Invenção do Dia Claro). Também este idoso que vos fala sonha que a vossa geração se torne uma geração de mestres: mestres de humanidade, mestres de compaixão, mestres de novas oportunidades para o planeta e os seus habitantes, mestres de esperança.

Como alguns de vós sublinharam, devemos reconhecer a urgência dramática de cuidar da casa comum. No entanto, isso não pode ser feito sem uma conversão do coração e uma mudança da visão antropológica subjacente à economia e à política. Não podemos contentar-nos com simples medidas paliativas ou com tímidos e ambíguos compromissos. Neste caso, «os meios-termos são apenas um pequeno adiamento do colapso» (Francisco, Carta enc. Laudato si’, 194). Trata-se, pelo contrário, de tomar a peito o que infelizmente continua a ser adiado: a necessidade de redefinir o que chamamos progresso e evolução. É que, em nome do progresso, já abriu caminho muito retrocesso. Vós sois a geração que pode vencer este desafio: tendes instrumentos científicos e tecnológicos mais avançados, mas, por favor, não vos deixeis cair na cilada de visões parciais. Não esqueçais que temos necessidade duma ecologia integral, de escutar o sofrimento do planeta juntamente com o dos pobres; necessidade de colocar o drama da desertificação em paralelo com o dos refugiados; o tema das migrações juntamente com o da queda da natalidade; necessidade de nos ocuparmos da dimensão material da vida no âmbito duma dimensão espiritual. Não queremos polarizações, mas visões de conjunto.

Obrigado, Tomás, por nos teres dito que «não é possível uma verdadeira ecologia integral sem Deus, que não pode haver futuro num mundo sem Deus». Também eu gostaria de vos dizer: tornai credível a fé através das vossas escolhas. Porque se a fé não gera estilos de vida convincentes, não faz levedar a massa do mundo. Não basta que um cristão esteja convencido, deve ser convincente; as nossas ações são chamadas a refletir a beleza jubilosa e simultaneamente radical do Evangelho. Além disso, o cristianismo não pode ser habitado como uma fortaleza cercada de muros, que ergue baluartes contra o mundo. Por isso, achei tocante o testemunho de Beatriz, quando disse que é precisamente «a partir do campo da cultura» que se sente chamada a viver as Bem-aventuranças. Em cada época, uma das tarefas mais importantes para os cristãos é a de recuperar o sentido da encarnação. Sem a encarnação, o cristianismo torna-se ideologia; é a encarnação que permite maravilhar-se com a beleza que Cristo revela através de cada irmão e irmã, cada homem e mulher.

A propósito, é interessante que, na vossa nova cátedra dedicada à «Economia de Francisco», tenhais acrescentado a figura de Clara. De facto, é indispensável o contributo feminino. Aliás, vê-se na Bíblia como a economia familiar está, em grande parte, nas mãos da mulher. É ela a verdadeira «governante» da casa, com uma sabedoria que não visa exclusivamente o lucro, mas o cuidado, a convivência, o bem-estar físico e espiritual de todos, bem como a partilha com os pobres e os estrangeiros. Abordar os estudos económicos com esta perspetiva é entusiasmante, tendo em vista devolver à economia a dignidade que lhe compete, para que não caia como presa do mercado selvagem e da especulação.

A iniciativa do Pacto Educativo Global e os sete princípios da sua arquitetura incluem muitos desses temas, desde o cuidado da casa comum à plena participação das mulheres, à necessidade de encontrar novas formas de entender a economia, a política, o crescimento e o progresso. Convido-vos a estudar o Pacto Educativo Global e a apaixonar-vos por ele. Um dos pontos que trata é a educação para o acolhimento e a inclusão. Não podemos fingir que não ouvimos as palavras de Jesus no capítulo 25 de Mateus: «era estrangeiro e recolhestes-me» (25, 35). Acompanhei emocionado o testemunho de Mahoor, quando lembrou o que significa viver com o «sentimento constante de ausência de um lar, da família, dos amigos, (…) de ter ficado sem teto, sem universidade, sem dinheiro, (…) cansada, exausta e abatida pela dor e pelas perdas». Disse-nos que reencontrou a esperança porque alguém acreditou no impacto transformador da cultura do encontro. Sempre que alguém pratica um gesto de hospitalidade, desencadeia uma transformação.

Amigos, sinto-me feliz por ver-vos uma comunidade educativa viva, aberta à realidade, com o Evangelho que não se limita a servir de ornamento, mas anima as partes e o todo. Sei que o vosso percurso engloba diversos âmbitos: estudo, amizade, serviço social, responsabilidade civil e política, cuidado da casa comum, expressões artísticas…

Ser uma universidade católica significa antes de mais nada que cada elemento está em relação com o todo e o todo revê-se nas partes. Assim, ao mesmo tempo que se adquirem competências científicas, vai-se amadurecendo como pessoa, no conhecimento de si mesmo e no discernimento do próprio caminho. Então avante! Uma tradição medieval conta que quando os peregrinos se cruzavam no Caminho de Santiago, um saudava o outro exclamando «Ultreia» ao que este respondia «et Suseia». Tratam-se de expressões de encorajamento para prosseguir a busca e o risco da caminhada, dizendo a si mesmo: «Vai mais longe e mais alto!» «Coragem, força, anda para diante!» Isto é o que vos desejo também eu, de todo o coração. 

Serafina (4 de Agosto. JMJ 23)

É bom estarmos juntos, no contexto da JMJ 23, a contemplar Nossa Senhora que se levanta para ir ajudar (cf. Lc 1, 39). A caridade, de facto, é a origem e a meta do caminho cristão, e a vossa presença, a realidade concreta do “amor em ação”, ajuda-nos a não esquecer o caminho, o sentido daquilo que estamos sempre a fazer. Obrigado pelos vossos testemunhos, dos quais gostaria de sublinhar três aspetos: fazer o bem juntos, agir concretamente e estar perto dos mais frágeis. Por outras palavras, fazer o bem em conjunto. Agir concretamente, não apenas com ideias, mas concretamente. E estar perto dos mais frágeis.

Primeiro: fazer o bem em conjunto. “Juntos” é a palavra-chave, que foi repetida muitas vezes nos discursos. Viver, ajudar e amar juntos: jovens e idosos, saudáveis e doentes, juntos. João disse-nos algo muito importante, que não nos devemos deixar “definir” pela doença, mas sim fazer dela uma parte viva da contribuição que damos à comunidade como um todo. É verdade, não nos devemos deixar “definir” pela doença, ou pelos problemas, porque não somos uma doença, não somos um problema. Cada um de nós é um dom, um dom, um dom único – com os seus limites – mas um dom, um dom valioso e sagrado para Deus, para a comunidade cristã e para a comunidade humana. Por isso, tal como somos, tal como estamos, enriqueçamos o todo e deixemo-nos enriquecer pelo todo.

Em segundo lugar, temos de agir concretamente. Isto também é importante. Como nos recordou São João XXIII, a Igreja “não é um museu de arqueologia. Algumas pessoas pensam que é, mas não é. É a fonte antiga da Igreja. É a antiga fonte do povo que abastece de água as gerações presentes e futuras” (Homilia após a Missa bizantina eslava, 13 de novembro de 1960). A fonte serve para matar a sede. As pessoas que carregam o fardo do caminho da vida são concretude. Por isso, atenção “aqui e agora”, como já estão a fazer, com atenção ao pormenor e praticidade, belas virtudes típicas do povo português.

Não existe amor abstrato, não existe. O amor platónico está em órbita, não está na realidade. O amor concreto. É o que suja as mãos.

Papa Francisco, JMJ 23

Há muitas coisas que gostaria de vos dizer agora. Mas acontece que os meus holofotes não estão a funcionar e eu não consigo ler bem. Por isso, vou dar-lhes isto para que mais tarde possam tornar isto público, pode ser? E assim não arrisco esforçar os olhos e ler mal. E isso não pode acontecer. Eu só quero insistir numa coisa que não está escrita, mas está no espírito disto, o concreto. Não existe amor abstrato, não existe. O amor platónico está em órbita, não está na realidade. O amor concreto. É o que suja as mãos. E cada um de nós pode pedir.

O amor que sinto por todos aqui, que sinto por todos os outros, é concreto ou abstrato? Quando aperto a mão a um necessitado, a um doente, a um marginalizado, sacudo as mãos logo a seguir ao aperto de mão para que não me conspurquem? Tenho nojo da pobreza, da pobreza dos outros? Estou sempre à procura da vida destilada, aquela que existe na minha fantasia. Mas ela não existe na realidade. Quantas vidas destiladas, inúteis, que passam pela vida sem deixar rasto. Porque a sua vida não tem peso. E aqui temos uma realidade que deixa uma marca, uma realidade de tantos anos, tantos anos que está a deixar uma marca que é uma inspiração para os outros.

Não poderia haver uma Jornada Mundial da Juventude (nem esta JMJ 23) sem ter em conta esta realidade. Porque isto também é juventude no sentido em que geram continuamente vida nova. Vocês, com a vossa conduta, com o vosso empenho, com a vossa mão na massa, ao tocarem a realidade da miséria dos outros, estão a gerar inspiração, estão a gerar vida. E agradeço-vos por isso. Agradeço-vos do fundo do meu coração. Continuem e não percam a coragem. E se perderem a coragem, bebam um copo de água e continuem.

Via-Sacra (4 de Agosto. JMJ 23)

Hoje ides caminhar com Jesus. Jesus é “o caminho” (Jo 14,6), e nós vamos caminhar com ele. Porque, quando estava entre nós, Ele caminhava, Jesus caminhava. Caminhava curando os doentes, cuidando dos pobres, fazendo justiça. Andava a pregar, a ensinar. Jesus caminha, mas o caminho que está mais gravado nos nossos corações é o caminho do Calvário, o caminho da cruz. E hoje vão em oração, nós, eu também, em oração renovar o caminho da cruz. E olhemos para Jesus que passa e caminhemos com ele. O caminho de Jesus é Deus saindo de si mesmo, saindo de si mesmo para caminhar entre nós. O que ouvimos tantas vezes na missa, o Verbo fez-se carne e caminhou entre nós, lembram-se? E o Verbo fez-se homem e caminhou entre nós. E fá-lo por amor. E fá-lo por amor.

E a cruz, que acompanha todas as JMJ (e a JMJ 23), é o ícone, a figura, deste caminho. A cruz é o significado maior do amor maior, o amor com que Jesus quer abraçar a nossa vida. A tua, a tua, a tua, a tua, a de cada um de nós. Jesus caminha por mim. Todos temos de o dizer. Jesus começa esta caminhada por mim. Para dar a sua vida por mim. E ninguém demonstra maior amor do que ao dar a vida pelos seus amigos. Do que dar a vida pelos outros. Não se esqueçam disto, ninguém tem mais amor do que aquele que dá a sua vida. E foi isso que Jesus ensinou. É por isso que, quando olhamos para o crucificado, tão doloroso, tão duro, vemos a beleza do amor que dá a sua vida por cada um de nós.

Uma pessoa muito inteligente disse uma frase que me tocou muito. Dizia assim: “Senhor, através da tua inefável agonia, eu posso acreditar no amor” (P. MAZZOLARI, Un volto da contemplare, Milão 2001, 86); “Senhor, através da tua inefável agonia, eu posso acreditar no amor”. E Jesus caminha, mas espera por algo. Espera a nossa companhia. Espera que olhemos, não sei, espera que se abram as janelas da minha alma, da tua alma, da alma de cada um de nós. Como são feias as almas fechadas. Que semeiam para dentro, que olham para dentro. Não faz sentido, Jesus caminha e espera com o seu amor, espera com a sua ternura, para nos dar conforto. Para nos enxugar as lágrimas. Vou fazer agora uma pergunta, mas não respondam em voz alta, cada um de vós responda por si próprio. Choro de vez em quando? Há coisas na vida que me fazem chorar? Todos nós já chorámos na nossa vida, e continuamos a chorar. E aí está Jesus connosco. Ele chora connosco, porque nos acompanha na escuridão interior. Façamos um pouco de silêncio e cada um de nós diga a Jesus porque é que choramos na vida. Cada um de nós diga-lhe agora. Em silêncio.

Jesus, com a sua ternura, enxuga as nossas lágrimas escondidas, Jesus espera para preencher a nossa solidão com a sua proximidade. Como são tristes os momentos de solidão. Ele está ali, quer preencher a nossa solidão, Jesus quer preencher o nosso medo, o teu medo. O meu medo. Esses medos obscuros. Ele quer preenchê-los com a Sua consolação. E espera para nos empurrar, para abraçarmos o risco de amar. Mas tu sabes, tu sabes melhor do que eu. Amar é arriscado. É preciso correr o risco de amar. É um risco, mas um que vale a pena correr. E Ele acompanha-nos neste risco, acompanha-nos sempre, caminha sempre connosco, está sempre connosco ao longo da nossa vida.

Hoje (na Vigília da JMJ 23) vamos percorrer o caminho com Ele, o caminho do Seu sofrimento, o caminho das nossas angústias, o caminho da nossa solidão. Agora, façamos um segundo de silêncio e deixemos que cada um de nós pense no seu próprio sofrimento, pense na sua própria ansiedade, pense nas suas próprias misérias. Não tenham medo. Pensem nelas. E pensem no desejo de que a alma volte a sorrir.

Fátima (5 de Agosto. JMJ 23)

Rezámos o Terço, uma oração bela e viva, porque nos põe em contacto com a vida de Jesus e de Maria. E meditámos os mistérios da alegria, que nos recordam que a Igreja só pode ser uma casa alegre. A pequena capela em que nos encontramos é como uma bela imagem da Igreja: acolhedora, sem portas. A Igreja não tem portas, para que todos possam entrar. E também aqui podemos insistir que todos podem entrar. Porque esta, é a casa da mãe e o coração de uma mãe está sempre aberto a todos os seus filhos. Todos, todos, todos. Sem exclusão.

Estamos aqui, sob o olhar materno de Maria, estamos aqui como Igreja, mãe Igreja. E a peregrinação é um traço mariano, porque a primeira a peregrinar depois da anunciação de Jesus foi Maria. Assim que a prima muito velha soube que estava grávida, fugiu. A tradução é um pouco imprecisa, mas o Evangelho diz: “Ela saiu apressadamente”. Diríamos que saiu a correr. Fugiu na sua ânsia de ajudar, de estar presente. São tantas as vocações de Maria, mas uma que também podemos dizer, pensando nisso, é esta: a virgem que corre. Sempre que há um problema, sempre que a invocamos, ela não se demora. Ela vem. Apressa-se.

Nossa Senhora com pressa. Gostam? Vamos dizê-lo todos juntos. Nossa Senhora com pressa. Ela tem pressa porque é mãe. Apressada. Em português dizemos ‘apressada’, diz-me o Monsenhor Ornelas. Nossa Senhora apressada. E assim acompanha a vida de Jesus, e não se esconde depois da Ressurreição. Acompanha os discípulos, à espera do Espírito Santo e acompanha a Igreja que começa a crescer depois do Pentecostes. Nossa Senhora na prisão e Nossa Senhora que acompanha. Ela acompanha sempre, nunca é a protagonista. O gesto de acolhimento de Maria é duplo: primeiro acolhe, e depois assim assinala Jesus.

Na sua vida, Maria não faz outra coisa senão apontar para Jesus. Faz o que ele te diz. Seguir Jesus. Estes são os dois gestos de Maria. Pensem bem, ela não acolhe toda a gente, ela aponta para Jesus. E fá-lo com um pouco depressa, com pressa. A nossa senhora com pressa, que nos acolhe a todos e aponta para Jesus. E cada vez que vimos aqui, lembramo-nos disso. Maria que se fez presente de uma forma especial. Para que a incredulidade de tantos corações se abrisse a Jesus, com a sua presença ela não aponta para Jesus. Sempre com isso, ela aponta para Jesus. E hoje ela está aqui entre nós, está sempre entre nós, por causa dela sentimo-nos muito mais próximos. Maria apressada.

Amigos, Jesus ama-nos ao ponto de se identificar connosco e de nos pedir que colaboremos com ele. E Maria indica-nos o que Jesus nos pede. Caminhar na vida, colaborando com Ele. Hoje gostaria que olhássemos para a imagem de Maria e que cada um de nós pensasse no que Maria me está a dizer como Mãe: estará a apontar o dedo para mim? Jesus aponta para nós, por vezes também aponta para algo que não está a funcionar bem no nosso coração. Mas Ele aponta sempre. Mãe, está a apontar para mim? Façamos um pequeno momento de silêncio e cada um de nós, no seu coração, diga: Mãe, o que é que estás a apontar para mim? O que é que tens? E tu apontas para isso. E aí apontas para o nosso coração para que Jesus possa vir e, tal como Jesus aponta para nós, Jesus aponta para o coração de cada um de nós.

Queridos irmãos e irmãs, sintamos hoje a presença de Maria, nossa mãe. A mãe que olha sempre para o que Jesus lhe diz. Ela aponta-nos para Jesus. Mas a mãe que diz a Jesus para fazer o que Jesus vos pede para fazer. Essa é Maria, essa é a nossa mãe. A nossa Senhora fez pressão para estar perto de nós. Que ela nos abençoe a todos. 

Vigília (5 de Agosto. JMJ 23)

Alegra-me ver-vos. Obrigada por terem viajado, por terem caminhado, obrigada por estarem aqui (na JMJ 23)! E penso que também a Virgem Maria teve de viajar para ver Isabel: «partiu e foi apressadamente» (Lc 1,39). Perguntamo-nos: porque se levanta Maria e vai depressa ver a sua prima? Claro, acaba de saber que a sua prima está grávida, mas ela também está. Porque é que então há de ir se ninguém lho pediu? Maria realiza um gesto que não lhe é pedido, não é obrigatório. Maria vai porque ama e «aquele que ama, voa, corre e alegra-se» (A Imitação de Cristo, III, 5).

É isso que nos faz o amor. A alegria de Maria é dupla, tinha acabado de receber o anúncio do Anjo, de que iria receber o Redentor e também a notícia de que a sua prima está grávida. É curioso, em vez de pensar em si pensa no outro. Porquê? Porque a alegria é missionária, a alegria não é para um só, é para levar algo, e pergunto-vos, vocês que estão aqui, que vieram encontrar-se, procurar a mensagem de Cristo, procurar um sentido lindo para a vida. Vão deixar que isto fique só para vocês ou vão levá-lo aos outros? Que pensam? É para levar aos outros, porque a alegria é missionária. Vamos repetir todos juntos: a alegria é missionária! Então eu tenho de levar esta alegria aos outros, mas, essa alegria que nós temos, também outros nos prepararam para a receber.

Agora olhemos para trás, tudo o que recebemos, o que já recebemos, tudo isso preparou o nosso coração para a alegria. Todos, se olharmos para trás, temos pessoas que foram um raio de luz para a vida: pais, avós, amigos, sacerdotes, religiosas, catequistas, animadores, professores, são como as raízes da nossa alegria. Agora façamos um segundo de silêncio, e cada um pensa naqueles que nos deram algo na vida, que são como as raízes de alegria. Encontraram? Enc­­ontraram rostos? Encontraram histórias? Essa alegria que veio por essas raízes é a que nós temos de dar, porque nós temos raízes de alegria, e também nós podemos ser para os outros raízes de alegria. Não se trata de levar uma alegria passageira, uma alegria do momento, trata-se de levar uma alegria que crie raízes. E pergunto-me, como podemos converter-nos em raízes de alegria?

A alegria não está na biblioteca fechada (apesar de ser preciso estudar), está noutro lado, não está fechada à chave, a alegria, há que procurá-la, há que descobri-la, há que descobri-la no nosso diálogo com os outros onde temos de dar essas raízes de alegria que já recebemos. E isso às vezes cansa. Vou fazer-vos uma pergunta: Vocês já se cansaram alguma vez?

Então pensem no que acontece quando alguém está cansado, não tem vontade de fazer nada. Como dizemos em espanhol: “Uno tira la esponja” porque não tem vontade de continuar e então desiste, deixa de caminhar e cai. Acham que uma pessoa que cai na vida, que tem um fracasso, que inclusive comete erros graves, fortes já está acabada? Não. Não oiço! Não. O que é que se deve fazer? Não oiço! Levantar-se. E é uma coisa muito bonita que queria que hoje levassem como recordação. Os alpinistas que gostam de subir montanhas têm um ditado muito bonito que diz assim: Na arte de subir à montanha, o que importa não é não cair, mas sim não permanecer caído. Coisa linda.

O palco no Campo da Graça, na noite de Vigília da JMJ 23.

O que permanece caído? Desistiu, perdeu a esperança, aí fica caído, e, quando vemos algum amigo nosso que esteja caído o que temos de fazer? Levantá-lo, com força. Quando temos de levantar ou ajudar a levantar uma pessoa, que gesto fazemos? Olhamos para ela de cima para baixo. A única situação em que é legítimo olhar para uma pessoa de cima para baixo é para a ajudar a levantar-se. Quantas vezes vemos as pessoas olharem para nós assim, por cima do ombro, de cima para baixo? É triste. A única situação em que é legítimo olhar para uma pessoa de cima para baixo é, podem dizê-lo, ajudar a levantá-la! Às vezes, não nos apetece andar, não nos apetece fazer um esforço, copiamos nos exames porque não queremos estudar e não conseguimos ter sucesso. Não sei se alguém aqui gosta de futebol? Eu gosto! Por detrás de um golo, o que há? Muito treino. Por detrás de um êxito, o que há? Muito treino. E na vida, não se pode fazer sempre o que se quer, mas sim aquilo que a vocação que temos dentro de nós nos leva a ser.

Caminhar. Se cair, levantar-me ou deixar que me ajudem a levantar, não ficar caído e treinar-me, treinar-me no caminho. E tudo isto é possível, não é por fazermos cursos sobre o caminho, não há nenhum curso que nos ensine a andar na vida. Isto aprende-se, aprendemos com os nossos pais, com os nossos avós, com os nossos amigos, a dar a mão uns aos outros. Na vida aprendemos. E isso é o treino ao longo do caminho.

Deixo-vos com esta ideia, caminhem, e se caírem, levantem-se. Caminhem com um objetivo, treinem-se todos os dias da vida. Na vida nada é de graça, tudo se paga. Só há uma coisa de graça, o amor de Jesus. Por isso, com esta oferta que temos, o amor de Jesus, e com o desejo e a vontade de caminhar, caminhemos na esperança. Olhemos para as nossas raízes, sem medo, não tenham medo!

Homilia, Missa de Envio (6 de Agosto. JMJ 23)

As palavras do Apóstolo Pedro no Monte da Transfiguração são as mesmas que, depois destes dias intensos, queremos fazer nossas: «Senhor, é bom estarmos aqui!» (Mt 17, 4). Foi bom o que experimentámos com Jesus, o que vivemos juntos e como rezámos. Mas, depois destes dias, perguntamo-nos: Que levamos connosco quando regressarmos ao vale da vida quotidiana? A partir do Evangelho que ouvimos, quero responder a esta pergunta com três verbos: resplandecer, ouvir, não temer. Resplandecer. Jesus transfigura-Se e – diz o texto – «o seu rosto resplandeceu como o sol» (Mt 17, 2). Recentemente tinha anunciado a sua paixão e morte na cruz, quebrando assim a imagem dum Messias poderoso e mundano, e frustrando as expectativas dos discípulos. Agora e para os ajudar a acolher o amoroso projeto de Deus, que chega à glória pelo caminho da cruz, Jesus toma consigo três deles – Pedro, Tiago e João – condu-los ao alto dum monte e transfigura-Se: o seu rosto torna-se resplandecente e as suas vestes cândidas. Este «banho de luz» prepara-os para a noite que terão de atravessar.

Caros amigos, também hoje nós precisamos de algo de luz para enfrentar a escuridão, que nos assalta na vida, tantas derrotas quotidianas, para as confrontar com a luz da ressurreição de Jesus. Ele é a luz que não se apaga, a luz que brilha ainda de noite. Vêm-me ao pensamento as palavras do sacerdote Esdras, que encontramos na Sagrada Escritura e que também nós podemos repetir depois destes dias passados em conjunto: «O nosso Deus quis fazer brilhar os nossos olhos» (Esd 9, 8). O nosso Deus ilumina o nosso olhar, ilumina o nosso coração, ilumina a nossa mente e a nossa vontade de fazer algo da nossa vida. Mas também gostava de vos dizer uma coisa: não nos tornamos luminosos quando nos colocamos sob os holofotes, quando exibimos uma imagem perfeita e nos sentimos fortes e bem-sucedidos. Mas brilhamos quando, acolhendo Jesus, aprendemos a amar como Ele amou. Amar como Jesus- isso faz-nos luminosos, isso leva-nos a fazer atos de amor. Não se enganem, vão ser luz no dia em que tiverem atos de amor. Se em vez de fazermos atos de amor, olharmos para dentro, com egoísmo, a luz apaga-se. O segundo verbo é escutar. No monte, uma nuvem luminosa cobre os discípulos e a voz do Pai indica que Jesus é o Filho amado. O mandamento que o Pai dá é simples e direto: «Escutai-O» (Mt 17, 5).

Está tudo aqui: tudo aquilo que se deve fazer na vida cristã, está nesta palavra: escutai-O. Ouvir Jesus, escutar o que é que Jesus diz, pegai no Evangelho e leiam o que diz Jesus e o vosso coração, porque Ele tem para nós palavras de vida eterna, para todos nós. Ele revela que Deus é Pai e amor, Ele ensina-nos o caminho do amor. Escutem Jesus, porque embora tenhamos a melhor das vontades, seguimos caminhos que parecem caminhos de amor, mas são egoísmos disfarçados de amor. Escutem o Senhor, porque Ele nos vai dizer qual o caminho do amor. Resplandecer, ouvir e, por fim, não temer. São as últimas palavras que Jesus pronuncia no monte para animar os discípulos assustados: «Levantai-vos e não tenhais medo» (Mt 17, 7). Uma ideia que nos Evangelhos é tão repetida: “Não tenham medo”.

Transmissão integral da Missa de Envio da JMJ 23

A vós, jovens, que cultivais sonhos grandes, mas frequentemente ofuscados pelo medo de não os ver realizados; a vós, jovens, que às vezes pensais que não ides conseguir; a vós, jovens, tentados neste tempo a desanimar, a julgar-vos inadequados ou a esconder a vossa dor disfarçando-a com um sorriso; a vós, jovens, que quereis mudar o mundo e lutais pela justiça e a paz; a vós, jovens, que investis o melhor do vosso esforço e imaginação, ficando, porém, com a sensação de que não bastam; a vós, jovens, de quem a Igreja e o mundo têm necessidade como a terra da chuva; a vós, jovens, que sois o presente e o futuro…

Precisamente a vós, jovens, é que Jesus diz: «Não tenhais medo». Queridos jovens, gostaria de poder fixar nos olhos a cada um de vós e dizer: não tenhas medo! Mas anuncio-vos algo muito mais belo: o próprio Jesus agora olha para vós, Ele que vos conhece e lê no vosso íntimo; olha para o vosso coração, conhece as alegrias e as tristezas, os êxitos e as derrotas. E Ele hoje diz-vos, aqui em Lisboa, nesta JMJ 23: “Não temam! Não tenham medo! Animem-se!”.

O Papa presidiu ainda à cerimónia de agradecimento aos voluntários da JMJ 23, antes de encetar os protocolos diplomáticos que encerraram a sua presença em Portugal. Já em Roma, Francisco mostrou-se impressionado com os números de adesão à JMJ 23 – apontando aos dados oficiais que remetem para o milhão e meio de peregrinos na Vigília e na Missa de Envio da JMJ 23. O Papa referiu ainda que a JMJ 23, em Lisboa, foi Jornada Mundial da Juventude mais bem organizada em que participou. Ao povo português, depois de uma certa anestesia beatífica nos media durante esses dias, veremos quando sobrará da factura a pagar pela organização desta JMJ 23. Mas «a César o que é de César».

Leave a Reply