Uma reflexão sobre o raro fenómeno natural da partenogénese e os mistérios da sua ocorrência na esfera humana, sempre através da uterina e psíquica potência feminina. Theotokos, a Mãe de Deus.
O mistério da virgindade não se esgota num plano de obsessão corporal. Essa é uma paranóia duma sociedade grotescamente voyeur, com os olhos colocados sobre a intimidade do outro – a hipocrisia clama pela libertação da sexualidade e depois torna a privacidade humana refém duma pornosofia sufocante.
A virgindade é acima de tudo a disponibilidade absoluta à vontade do daimon, à crença íntima daquilo que nos habita, do próprio apelo interior que é o núcleo do ser humano – aquele sopro silencioso. Acolher no útero o fruto dessa crença extrapola a própria física que anima o advento. O mistério suplantará sempre a ciência. A graça estará na coabitação com essa vontade misteriosa que impele a própria vida. O sim é a grande resposta do espírito. Negada essa possibilidade de aceitação é negada a essência da paz interior, da salvação e dum encontro filial e escatológico.
Diz-se que a mãe de Buda concebeu o seu filho quando se encontrava num estado de meditação abençoada sob uma árvore banyan. Maria concebeu Jesus de forma mais ou menos semelhante. Também já foi dito que Leonardo DaVinci, Joana d’Arc, Moisés, Zoroastro e muitos outros génios, visionários e curandeiros/xamãs também nasceram partenogeneticamente. Se muitas das espécies não humanas conseguem fazê-lo e, de facto, concebem desta forma, não é assim tão chocante assumir que os humanos também conseguem. Com base apenas neste facto, é difícil compreender porque é que os cientistas não são mais curiosos. Há cem anos atrás, o famoso biólogo Jacques Loeb debruçou-se sobre o assunto e concluía que «o macho não é necessário para a reprodução. Um simples agente físico-químico na fêmea é suficiente para a sua reprodução». Embora não se saiba que nenhum mamífero tenha dado à luz partenogeneticamente, Jacques Loeb obteve embriões de macaco para fertilizar através de vários meios como campos eléctricos e soluções salinas, etc.
Quando um único e minúsculo espermatozóide penetra no óvulo não fertilizado de uma mulher, há uma implosão de luz ou energia no seu centro que é visível ao microscópio (vídeos da concepção humana estão disponíveis, hoje em dia, no YouTube). Este é o momento em que o espírito entra na matéria. O tamanho do próprio óvulo, em comparação com o humilde espermatozóide, diz muito sobre tudo isto. Existem diferentes escolas de pensamento em relação a este momento da concepção. Será que um espermatozóide transporta uma simples carga eléctrica para o óvulo ou é algo puramente químico? Pode a carga eléctrica ou a fórmula química ser reproduzida artificialmente? Jacques Loeb é uma fonte para aprofundar nesta questão. E, a partir daqui, usamos as palabras de Den Poitras, autor de “Parthenogenesis: Women’s Long-Lost Ability to Self-Conceive”:
«Considerando quão pouco é necessário para estimular um óvulo não fertilizado para um estado activo, por muito improvável que isso se dê, não parece tão absolutamente impossível que uma mulher, num estado de saúde alcalina superior e envolvida numa cerimónia de dança/transe próprio de mulheres sagradas, não possa conceber por si só. A própria força da vida actua como um poder fecundante. Isto conduz a uma mutação criativa, um novo produto da evolução, um novo tipo de ser humano que não nasce dos antepassados e que, consequentemente, está livre da inércia e do karma do passado da humanidade. Levantam-se questões quanto à quantidade de genes da mãe que são transmitidos ao seu filho partenogénico. E a influência masculina, durante as concepções normais, interfere com o nascimento de seres altamente evoluídos? Os primeiros meses de vida humana no útero são passados na forma feminina. Se/quando se forma um rapaz, então os ovários descem para se tornarem testículos e o clítoris alonga-se para um pénis. Os homens são a segunda escolha da natureza. Estamos aqui, por enquanto, para assegurar a sobrevivência da espécie, porque é difícil (senão impossível) para a maioria das mulheres procriar por si só e porque, mesmo em círculos ascéticos, é difícil viver sem ter sexo».
As mulheres são a própria raça – o forte sexo primário, e os homens o pós-pensamento biológico.
Francis Lester Ward
Continua Poitras: «A Imaculada Conceição é simples, encantadora, gentil e natural. Ou, melhor, super-natural. Super, devido ao quão próxima das leis da natureza uma mulher deve estar para conceber de tal forma. A maioria de nós está super-distante da natureza. E se vivermos super-fechados ao natural, então coisas super-naturais irão ocorrer, tais como o nascimento da Virgem ou sonhos ou visões instrutivas como muitos índios americanos ou outros povos indígenas de todo o mundo são conhecidos por terem tido. Dizer que a Imaculada Conceição é sobrenatural é tanto certo como errado».
A este respeito cita-se o Dr. Raymond Bernard (A.B., Columbia University; M.A.,New York University): «Que a Imaculada Conceição tenha sido feita para parecer milagrosa e sobrenatural, um acontecimento solitário incapaz de se repetir e algo que toda a mente racional e científica deve rejeitar como absurdo, impediu o nascimento de muitos mais indivíduos como Jesus e ainda maiores durante os últimos milhares de anos». Declarações arrojadas para o ano de 1955 e heréticas diante do cristianismo. Todavia, há histórias sobre os indígenas norte-americanos (nomeadamente os povos Ojibiwa ou Cippewa), chegadas aos nossos dias pela ancestral oralidade, que referem que as anciãs procuravam certas jovens donzelas que possuíam graça, inteligência e compaixão. Por vezes, uma candidata para este propósito partenogénico saltava uma ou duas gerações. No entanto, as sábias mantinham a vigilância constante. Quando encontrada, uma tal donzela ficava inacessível para os homens. Quando atingia a idade da fertilidade, a sua primeira menstruação, eram instruídas a jejuar durante vários dias e, se fosse necessário, era-lhe exigido a dançar à volta de uma fogueira numa cabana exclusiva para as mulheres sagradas, construída longe da aldeia. A sua dança ocorria enquanto ovulava e, se fosse atingido um estado de benção ou êxtase, seria possível ela conceber e dar à luz uma criança que, assim se esperava, seria abençoada com dons de cura ou liderança, etc.
As semelhanças destes rituais com a narrativa neotestamentária são latentes por excesso. E se os evangelistas não o referem, é ainda assim impossível não olhar à coincidência das esperanças messiânicas dos Essénios. Surgido cerca do segundo século antes de Cristo, este era um grupo asceta, apocalíptico messiânico com as fundações no movimento judaico antigo que acabou dizimado no ano 68, após a destruição da sua urbe em Qumran (cujos manuscritos são também fonte riquíssima de informação, especulação e ponderação sobre o Cristo). Isto para dizer que se pode admitir que os Essénios planearam Jesus, mesmo que Jesus possa não ter sido aquele que planearam, de facto, ou que pretendiam.
Na verdade, isso abre veredas para conjugar a narrativa de Mateus com a realidade histórica e perceber uma decisão tão atroz de Herodes, o Grande, como a ordem para matar todos os meninos recém-nascidos de Belém. Para os não-crentes, é mais fácil enquadrar o infanticídio dessa forma do que com a antiga profecia de Jeremias 31:15.
Quanto a estas ancestrais formas de tentar conceber e dar à luz almas altamente evoluídas, hoje em dia não só desprezadas como desacreditadas e escarnecidas, naturalmente que foram sepultadas debaixo de séculos de sociedades patriarcais (paradoxalmente, um das dinâmicas axiomáticas do catolicismo). Pegando uma vez mais nas palavras de Poitras: «Assume-se que a lei da partenogénese resulta no nascimento apenas de fêmeas. Isto tem-se verificado demonstrado em espécies animais, insectos e microscópicas, mas poderia funcionar de forma diferente entre os humanos, por via desse poder de vontade e visão que reside nos humanos. O termo sânscrito que o designa é Kriyashakti ou, de forma resumida e mais reconhecida, Shakti; o misterioso poder do pensamento que nos permite produzir resultados externos, perceptíveis e fenomenais pela sua própria energia inerente. Qualquer ideia se manifestará externamente se a atenção de alguém estiver profundamente concentrada. Se uma mulher prevê um rapaz, é bem possível que ela dê à luz um».
Magnificat
No sistema de crença hindu sabe-se que: «Na Célula Mãe começam todos os seres vivos. O Princípio Criativo é feminino. O mistério divino mais elevado é Brahamana, o feminino de Brahma».
«Então disse Maria: ‘Minha alma engrandece ao Senhor e o meu espírito se alegra em Deus, meu Salvador, pois atentou para a humildade da sua serva. De agora em diante, todas as gerações me chamarão bem-aventurada, pois o Poderoso fez grandes coisas em meu favor; santo é o seu nome. A sua misericórdia estende-se aos que o temem, de geração em geração. Ele realizou poderosos feitos com seu braço; dispersou os que são soberbos no mais íntimo do coração. Derrubou governantes dos seus tronos, mas exaltou os humildes. Encheu de coisas boas os famintos, mas despediu de mãos vazias os ricos. Ajudou a seu servo Israel, lembrando-se da sua misericórdia para com Abraão e seus descendentes para sempre, como dissera aos nossos antepassados’», Lucas 1:46-55.
A foto que abre o artigo é de Miles Aldridge, com a manequim Alana Zimmer.
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