No seu 42º álbum, Loretta Lynn colocou o seu coração nas mãos de Jack White. O resultado foi um disco arrebatador, um dos melhores na discografia da Rainha da Country.
Em 2004, Loretta Lynn tinha 72 anos e uma vida marcada por um casamento tumultuoso, que ainda assim a norte-americana levou até ao final, com as agruras amorosas que tanto inspiram o country. Casada ainda adolescente, aos 21 anos já tinha 4 filhos e ainda viria a ter duas gémeas. Viu o seu primogénito morrer apenas com 34 anos de idade. Não admira que Keith Richards afirme que ninguém sabe escrever músicas “do coração” como os músicos de americana. Loretta era já uma lenda quando decidiu entregar a produção de “Van Lear Rose” a um jovem de 28 anos que estava a revolucionar o blues e o rock. Jack White, que parece ter uma alma tão velha e jovem quanto a fundação dos Estados Unidos, aceitou produzir a Lynn e servir-lhe de músico no disco e assinou aquele que será, provavelmente, o melhor álbum da diva country.
É um daqueles álbuns impensáveis em Portugal, um veterano da indústria aceitar que uma banda como os The Raconteurs [além de White, também o baterista Patrick Keeler e o baixista Jack Lawrence tocam neste disco], ou um garage punk rocker como David Feeny, lhe revolucione a estética e a estabeleça para um novo milénio. Mais ainda, que alguém estabelecido e carregado de vícios e comodidades deixasse de lado os nomes do costume e optasse por sangue novo na produção. Resumindo, ninguém consegue imaginar um álbum de Marco Paulo ou Simone de Oliveira sob a tutela de Sam the Kid, por exemplo…
Mas “Van Lear Rose” não é somente um disco em que a convergência de nomes e mundos é bem conseguida. É um trabalho que nunca desrespeita a essência da estrela country, que mima a voz e tiques de Loretta Lynn. Para uma geração que se habituou a associar o country ao azeite de Garth Brooks, este disco é capaz de amplificar a autenticidade e crueza das mágoas de uma vida. De ter a beleza serena do estoicismo que surge com o passar dos anos. O fascínio de Jack White por Lynn já havia sido exposto em White Stripes, com a cover de “Rated X”. A coragem de Lynn em aceitar este desafio é igualada pela de White em abdicar da sua assinatura sonora (será mesmo assim?) e procurar antes servir a cantora. O seu papel era o de actor secundário e o músico interpreta-o na perfeição, tal como acontece com a protagonista. Não deixa de ser impressionante, mesmo sabendo que Lynn jogou sempre pelas suas próprias regras, que uma senhora de 72 anos tenha aceite arriscar-se em live takes carregados de um sentido jam – algo em que White insistiu na construção de “Van Lear Rose”.
No final é daí que vem a grande parte da energia deste álbum e a emotividade na voz de Loretta Lynn, que surge no disco com uma generosidade e entrega como se estivesse novamente grávida aos 15 anos… Com o coração nas mãos!