Morbid Angel

Morbid Angel, Covenant

Brutalmente malévolo e violentamente feroz e retorcido, o terceiro álbum dos Morbid Angel é um marco histórico (e até filosófico) para o metal extremo.

Em 1993, os Morbid Angel tinham cultivado um número impressionante de seguidores. Tão impressionante, de facto, que eles, tal como várias bandas de death metal de topo na altura, começaram a receber atenção dos meios de comunicação social mainstream que tinham começado recentemente a tomar nota do metal extremo. Isso foi em grande parte feito através da MTV que rodou esses artistas no seu programa “Headbanger’s Ball”. Mas o mais importante foi a tentativa de parceria da Earache Records (uma das, se não a maior, editoras especializada em metal extremo do mundo na época) com a Giant Records (uma subdivisão da Warner). Esta parceria pretendia, teoricamente, trazer o metal para o mainstream e, consequentemente, aumentar as receitas de ambas as editoras.

O terceiro álbum dos Morbid Angel, “Covenant”, foi um dos primeiros produtos desta união profana, bem como o primeiro álbum de metal extremo lançado por uma grande editora. Com ênfase no “extremo”. Quaisquer receios que alguém pudesse ter sobre os Morbid Angel atenuarem o seu ataque musical para se enquadrarem numa grande editora seriam imediatamente aliviados ao ouvir o riff de abertura de “Rapture”. Ainda mais invulgar é o facto de o LP incluir uma etiqueta de conteúdo explícito, o único álbum dos Morbid Angel a incluí-la. As prensagens posteriores de ‘Covenant’ omitiram a etiqueta, o que faz com que pareça mais uma manobra de marketing do que uma etiqueta “legítima”.

A banda passou por mudanças significativas no período entre “Blessed Are The Sick” e “Covenant”. O guitarrista Richard Brunelle tinha saído (por, nas suas próprias palavras, simplesmente não se esforçar o suficiente), deixando apenas o power trio de David Vincent, Trey Azagthoth e Pete Sandoval. Essa redução de mão de obra resultou em músicas mais rápidas, mais simples e muitas, muitas vezes mais agressivas que as suas antecessoras. “Covenant” é possivelmente o lançamento mais violento do longo catálogo do Morbid Angel. Só podemos imaginar que tenha sido uma grande surpresa para a major label. Surgido na sequência de “Blessed Are The Sick”, um álbum mais lento, mais elaborado e grandioso, “Covenant” parece ser uma continuação directa do disco de estreia, “Altars Of Madness”. Falta-lhe a estrutura complexa do seu progenitor, mas compensa-o com raiva pura e efervescente. O intenso vitríolo de “Covenant” é aquilo que mais o destaca da maioria de outros álbuns de death metal. Há algo excruciantemente vingativo em “Covenant”; poder-se-ia dizer que quase se aproxima do brutal death metal.

“Covenant” abre com aquilo que, logo em 1993, se sentiu como um clássico dos Morbid Angel, na forma de ‘Rapture’. O riff tremolo que abre a malha é imediatamente reconhecível e vibra com a misantropia que define o álbum. Tem uma qualidade tensa de raiva reprimida que explode imediatamente numa fúria de bombo duplo. No entanto, a canção incendeia-se verdadeiramente quando a voz de David Vincent começa a rugir por cima das batidas rápidas (porra, algumas das mais rápidas daquela altura). Como peça complementar a este malhão, surge logo outra descarga crucial e demoníaca na forma de “Pain Divine”, um número obscenamente rápido e aterrorizante que é devastador de ouvir, ainda hoje.

O desempenho de David Vincent no baixo está, como sempre, submerso no furioso trabalho de guitarra de Trey Azagthoth, mas os seus vocalizos, de certa forma, atingiram o auge neste álbum. Impressionantemente gutural para 1993, parece vomitar as suas linhas com absoluta convicção demoníaca. Há partes neste disco em que o seu animalismo atinge níveis vertiginosos e ele soa como um lunático delirante, cuja única missão é a destruição da humanidade. As letras, que se enquadram no padrão do álbum, são também incrivelmente insensíveis e brutais («Confront me unholy ones/Bastard saints scorn of the earth/I summon thee now poison me/Death under will burn in my soul»), e ao mesmo tempo mais minimalistas e esparsas do que o lirismo detalhado de “Blessed Are The Sick”. Ainda manifestam a tradicional laude dos Morbid Angel à força e ao poder, mas neste caso, deixando de lado os escudos e em vez disso pegar numa espada adicional, com lâminas rombas de misantropia, contra a Cristandade e contra todo o Universo.

Este LP raramente abranda, mas é absolutamente devastador quando o faz. “World Of Shit (The Promised Land)” surge como um aviso sob a forma do tipo de riffagem de esgoto que faria aparições em álbuns posteriores dos Morbid Angel, como “Domination” e “Gateways To Annihilation”, embora numa forma mais crua e mais reminiscente de contemporâneos como os Obituary ou os Autopsy. No entanto, ainda está ligado ao estilo distinto dos riffs de Azagthoth, um guitarrista inconfundível na sua compreensão inata do ritmo e da dinâmica tonal. É claro que a emergência de “Covenant” se recusa a permanecer estrangulada muito tempo, antes que a música irrompa, frenética, a violentar tudo o que se considera decente e conspurcando-o com o Mal – porra, exala deste disco!

Pete Sandoval era (e em muitos círculos ainda é) conhecido como o axiomático baterista de metal. O seu trabalho em “Covenant” pode ser o auge das suas capacidades. A sua velocidade é inigualável em malhas como a já referida “Rapture” e a sua escolha de ritmos é, como sempre, impecável na forma como espelha a guitarra ou a voz, como, por exemplo, em “Vengeance Is Mine”. É notável o uso crescente de ritmos de tarola sem ostinato que funcionam bem para acentuar as guitarras. O seu trabalho técnico neste álbum não é tremendamente virtuoso, mas não precisa de o ser: “Covenant” foi concebido para ser um álbum simples e primitivo. No entanto, talvez o que faça o seu desempenho parecer tão elevado seja a produção fantástica do seu kit. Cada som que emite é um prazer absoluto de ouvir devido ao extremamente competente design sónico. A tarola é aguda, plana e ligeiramente solta, aumentando o sustain e a beleza desse elemento. Os pratos são bem gravados em todas as suas tonalidades e timbres. Nos timbalões, a distância tonal e a preservação das suas propriedades individuais é notavelmente articulada. Por fim, os seus bombos são atemorizadores.

“Covenant” raramente deixa algo a desejar, mas ainda mantém as qualidades únicas em cada música. Se mencionarmos qualquer canção deste álbum a um fã dos Morbid Angel, ele irá sorrir e tentar replicar um ritmo, uma letra ou uma melodia; com partes tão transgressoras como o micro break de bateria/voz de “The Lion’s Den”, quem poderia resistir? Além disso, o álbum está repleto de malhas que tradicionalmente fazem parte do alinhamento dos Morbid Angel ao vivo. Aliás, “Rapture”, “Blood On My Hands” e a retorcida “God Of Emptiness”, são omnipresentes em concerto. Talvez a canção mais estranha do álbum seja “Angel Of Disease”, cujos ritmos e vozes punk parecem oriundos de uma composição mais vetusta da banda.

Já a mencionámos. O álbum termina com duas partes de ‘Nar Mattaru’ (a habitual malha ambiental de Morbid Angel, com teclas e drones de baixo) e “God Of Emptiness”. A única música que permanece num ritmo baixo durante todo o tempo, este malévolo épico de groove descreve a história da queda da graça do homem. A qualidade que torna esta canção tão essencial é quase impossível de quantificar; será a “progressividade” de tal malha num trabalho que é maioritariamente definido pela sua regressão estética? Será o conceito blasfemo, mas absolutamente lógico e asséptico? Seja como for, a malha é brilhante por mérito próprio e sente-se como o final perfeito para um álbum deslumbrante.

Embora “Covenant” não seja tão amado como os dois primeiros LPs dos Morbid Angel, pela comunidade metaleira em geral, por aqui é considerado o melhor. Também porque serviu, na época, de portal de entrada para descensão à profana misantropia e espiral de demência do som da banda. Mas enquanto a hipótese de outro álbum superar “Altars Of Madness” é bastante reduzida, “Covenant” faz um bom trabalho a superá-lo em brutalidade absoluta e intransigência em relação a tudo no seu passado. Um lançamento obrigatório historicamente, filosoficamente e artisticamente.

Texto traduzido e adaptado do original de Noktorn.

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