Uma Telecaster histórica e um Supro modificado. Como Jimmy Page criou o seu som de guitarra, que daria origem aos Led Zeppelin. As reencarnações nas mãos de Mário Delgado.
Jimmy Page recebeu a Telecaster em 1966, o modelo de 1959 foi um presente de Jeff Beck após o recomendar para ocupar o seu lugar nos The Yardbirds. Ao longo dos anos, a Telecaster teve vários visuais e representou diversas personagens, consoante as personalizações estéticas e sónicas que Page lhe atribuiu. Poucas guitarras são tão significativas na história da música como este guitarra, usada para criar as bases icónicas dos riffs e corpo sonoro original dos Led Zeppelin e, ainda antes disso, do período final dos The Yardbirds. «A história do instrumento é toda a sua tremenda viagem – desde que esteve nas mãos do Jeff, que mo ofereceu com um tremendo espírito. Há imenso amor nesse gesto e nessa viagem através dos The Yardbirds e de como o usei no primeiro álbum dos Led Zeppelin», refere Page.
Originalmente a guitarra possuía um imaculado acabamento White Blonde de fábrica e assim ficou até Fevereiro de 1967, quando Page lhe acrescentou oito espelhos circulares ao corpo. Page usou a Telecaster espelhada durante pouco tempo no final dos The Yardbirds e, a meio de ’67, mudou novamente o visual da guitarra. Removeu os espelhos, removeu toda a tinta e fez um novo acabamento para a guitarra pessoalmente, pintando à mão um místico dragão no corpo do instrumento. A primeira vez que vomitou labaredas foi no concerto de 68 dos Yardbirds no Anderson Theater, em Nova Iorque, durante a última digressão da banda e que ficou imortalizado em duplo LP.
Quando os Led Zeppelin se formaram, no final 1968, a Dragon Telecaster era a guitarra principal de Jimmy Page e o músico usou-a exaustivamente em palco e em estúdio até 1969. Foi a guitarra principal nas sessões do álbum de estreia da banda, “Led Zeppelin I”. Então, no regresso após uma pequena digressão, Page descobriu que um solícito amigo havia desmontado o corpo da guitarra e pintado por cima do dragão. Esta pintura comprometeu o som e o circuito eléctrico, deixando apenas o pickup do braço funcional. Page resgatou o braço, colocando-o na sua Tele com o sistema B Bender, e tornou a remover a tinta e a procurar restaurar o corpo da guitarra que reformou.
Foi ainda no final de 2018 que a Fender anunciou a colaboração com Jimmy Page para recriar a famosíssima 1959 Fender Telecaster, numa associação ao 50º aniversário da fundação dos Led Zeppelin, em 1968. São quatro os modelos de assinatura diferentes editados ao longo de 2019, permitindo a fãs e coleccionadores a oportunidade de possuírem um pedaço de história. Dois dos modelos sairão das linhas de produção da Fender e os outros dois sairão da Fender Custom Shop, os modelos “Limited Edition Jimmy Page Telecaster Set”. «Esta guitarra é tão especial e possui uma história tão grande que decidi abordar a Fender e perceber se estariam interessados em recriá-la», refere o guitarrista. «Eles conseguiram replicá-la com uma fidelidade de 110% ou 150%. Está absolutamente igual ao que é, ao que devia ser e ao que foi. Visitar a Fender Custom Shop para assinar e pintar as guitarras com o Paul Waller foi excitante. ver todas aquelas pérolas nas paredes, é uma experiência extraordinária», confessou Page sobre a reencarnação da guitarra.
As duas versões de edição limitada da Fender Custom Shop, construídas pelo Master Builder Paul Waller – uma com os espelhos e outra com a pintura do dragão, são extremamente coleccionáveis. Durante cerca de oito meses Page e Waller trabalharam em conjunto durante todo o processo de criação da guitarra, assegurando-se de que cada detalhe do modelo original estaria presente nestes novos modelos. Apenas 50 unidades de cada um dos modelos Fender Custom Shop serão disponibilizados com as marcas pessoais de Jimmy Page, incluindo o autógrafo do músico no headstock e floreados pintados manualmente no corpo do modelo com o artwork do dragão.
Paul Waller também deixou as suas impressões sobre esta criação: «O Jimmy abordou-nos com a ideia de recriar a sua guitarra em Fevereiro passado e mal começámos a planear as coisa pude sentir toda a sua paixão com o processo. Para chegar à sua visão, quis recriar com exactidão cada pequeno detalhe, para que não se possa distinguir o original destes modelos. É por isso que somos reconhecidos na Fender Custom Shop: pela qualidade de construção e autenticidade». E esses detalhes incluem: colagem descentrada no corpo com dois blocos de ash; par de pickups single-coil Fender Custom Shop Hand-Wound ‘58; braço tinted maple “Oval C”, tal como o perfil do instrumento original; guarda-unhas Clear e White Vinyl nos modelos “Dragon” e “Mirror”, respectivamente; ponte ‘59 top-load Tele; escala rosewood com raio de 7.25”, de acordo com os specs da época, contando com 21 trastes de tamanho vintage. A Fender também garantiu ambas as versões da guitarra, a espelhada e a pintada, nas gamas de produção normais, de forma a garantir modelos mais acessíveis à maioria dos fãs. A marca garante que ainda que estas guitarras não estejam autografadas ou pessoalmente pintadas por Jimmy Page, o guitarrista consultou várias vezes a Fender de forma a acompanhar todo o processo de produção, procurando assegurar-se de que as guitarras são fiéis ao modelo original. Contudo não são reproduções exactas, como os modelos Custom Shop. Os modelos de produção apresentam um braço em maple “Oval C” e corpo ‘50s Tele de dois blocos; ponte top-loader para encordoamento through-body ou top-load; pickups custom single-coil e acabamento lacado.
MIRROR TELECASTER
Este modelo é um autêntico tesouro. O acabamento, apesar de não ser tão vistoso como no modelo “Dragon”, é de uma alvura deslumbrante. Depois, a Fender teve a sensatez de não escarrapachar os espelhos circulares na guitarra, antes enviando os mesmos à parte, para serem colocados a gosto. O seu peso é dos mais impressionantes que já sentimos numa guitarra, mas se nota. É como se pegássemos numa pluma. O braço é uma brisa. Tem um excelente sentimento e permite uma agilidade e força descontraída ao puxar bendings. Quanto ao seu som…
No pickup da ponte é como se pegassem numa dessas Teles dos anos 50, tivessem os graves e os médios-graves mais limpinhos, apesar de reterem o seu corpo tradicional, e os agudos, principalmente nas cordas mais finas capazes de explodir em cada nota. É quase punk! O pickup do braço tem um ataque mais suavizado, mas uma voz muito blues. A guitarra tem um tremendo ataque e uma grande capacidade de resposta à manipulação do controlo de volume. O botão de tone dá-vos uma versatilidade fora do comum, a sua variação de frequências permite mesmo simular o comportamento de um wah – claro, se tiverem as mãozinhas de predestinado do Mário Delgado (que, ainda nos tempos da AS, convidei para a experimentar numa visita ao Mr. Jack – Guitars N’ Stuffs), ajuda a fazê-lo.
Parece conversa de vendedor, mas há qualquer coisa diferente nesta guitarra. Apesar de não deixar de ser, basicamente, uma Tele dos anos 50 com uma intensidade sonora contemporânea. Fora da Custom Shop, é a melhor Fender Tele que já vimos em acção. É um dos melhores segredos da Fender. O seu peso (ou a ausência mágica do mesmo), a sua tremenda ressonância e a fogosidade eléctrica de que é capaz tornam esta guitarra verdadeiramente extraordinária.
DRAGON TELECASTER
Ao contrário do modelo “Mirror”, que inevitavelmente é o ponto de comparação e referência, a “Dragon” é um modelo mexicano. As madeiras são as mesmas e o comportamento do braço não difere muito. Ou seja, muito confortável de tocar, devido ao seu perfil bem delgado (não é, Mário… Delgado?). Contudo, há diferenças nos acabamentos, mais rudes neste caso. Por exemplo, os trastes nesta guitarra são menos agradáveis que no modelo “Mirror”. Não é algo muito significativo, mas não deve deixar de ser dito, afinal há uma enorme diferença no preço de cada um dos modelos. Esta está situada à volta dos €1300 e a “Mirror” são uns mil paus a mais.
No som, por algum motivo (talvez o recurso a hardware menos nobre ou talvez pelo acabamento em poliuretano, por fino que seja), a “Dragon” soa mais baça que a “Mirror”, menos cristalina. Tem, paradoxalmente, uma resposta mais aguda, talvez por ter menos ressonância. Ainda assim, o seu sustain é impressionante para um modelo Telecaster. Os pickups, se pensarmos que, de um modo geral, têm o mesmo comportamento que os do modelo Made In America, soam bastante bem e é fácil extrair harmónicos, que se mantém definidos com recurso a distorção. Aliás, os PUs nos dois modelos, a sua resposta à dinâmica do músico, a sua articulação e ataque, são um dos principais ingredientes do misticismo…
A “Dragon” não é uma guitarra tão extraordinária quanto a “Mirror”, mas não deixa de ser impressionante.
SUNDRAGON
Para fechar o círculo com a Dragon Telecaster, Jimmy Page recriou o amp dos primeiros anos de Led Zeppelin. O Sundragon será limitado a cinquenta unidades, juntando-se também às celebrações dos cinquenta anos dos Led Zeppelin. É o próprio guitarrista que está na génese do Sundragon, um amplificador que recria a sua sonoridade no período inicial dos Led Zeppelin e no seu homónimo álbum de estreia. Cada um dos cinquenta amps possui construção artesanal e está autografado por Jimmy Page. Fazendo uma retrospectiva a cinquenta décadas atrás, Page começou por usar um modelo Supro Coronado que foi posteriormente modificado de acordo com especificações do guitarrista. De acordo com o mito, Page manteve essas especificações ocultas até hoje, em que são disponibilizadas na forma do Sundragon. Para isso o guitarrista contou com a colaboração dos engenheiros Mitch Colby e Perry Margouleff.
Page usou principalmente o Supro Coronado no início da década de 60, quando andava em digressão com Neil Christian and the Crusaders. Durante uma das viagens, o amp caiu da carrinha de backline e ficou severamente danificado. Foi montado de volta, para se aguentar até poder ir a uma oficina ser restaurado. O amp, de design e construção norte-americanas foi reparado com os componentes disponíveis no Reino Unido na altura, incluindo as válvulas. Então o amp passou a ter válvulas Mullard no circuito de pré e uma rectifier Mullard GZ34 e uma GE 6L6 no circuito de potência. Foi já com esta configuração que o amp debitou clássicos como “Good Times, Bad Times”, “You Shook Me” ou Communication Breakdown”. Originalmente o amp possuía dois altifalantes de 10’’, o restauro trocou-os por uma unidade de 12’’ que aproveitou um altifalante norte-americano e o remodelou com um diafragma britânico. O fabricante deste componente já não existe e a reedição conta com altifalantes custom. Mas as válvulas e os transformadores são iguais às modificações originais, mesmo o circuito do velho Supro.
Nas palavras de Jimmy Page: «Fiquei impressionando com a análise forense que quer o Mitch quer o Perry usaram na investigação para reproduzir o Supro original e as suas modificações até chegarem ao Sundragon». Depois das cinquenta unidades originais, o Sundragon entrou numa produção em série.
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