Paris

Supertramp, Paris

O álbum que os Supertramp gravaram em Paris é uma vibrante e vívida pintura da Idade de Ouro da banda. A reprodução quase total de “Crime Of The Century” enche as medidas aos fãs, ao mesmo tempo que o sentido mais pop de “Breakfast In America” é um magnífico Arco do Triunfo para os que procuram conhecer a banda.

Nas décadas de 70 e 80 (aqui já numa fase apontada ao imediatismo da rádio), os Supertramp, tornaram-se um dos maiores ícones do prog rock. Conseguiram cativar audiências com uma singular mistura de viciantes ganchos melódicos, além do quão intrincadas podiam ser as texturas dos arranjos e estrutura rítmica; com letras instigadoras (coisa de outros tempos, se pensarmos no mainstream); e com concertos retumbantes.

E poucos concertos terão sido tão memoráveis como os que aconteceram nas três noites de Paris, durante digressão promocional de “Breakfast In America”. Em cada uma das datas, cerca de 10 mil fãs encheram o Pavillon de Paris, sala situada no coração da Cidade Luz. Acompanhada do seu estúdio móvel, a banda decidira gravar os concertos da digressão, principalmente para editar um álbum ao vivo que lhe permitisse ganhar tempo para planear um sucessor do referido blockbuster “Breakfast In America”. Foram gravados vários concertos no canadá e por toda a Europa que, posteriormente, foram apresentados pelos engenheiros Pete Henderson e Russel Pope à banda. Os músicos receberam as demos com as misturas em bruto e sem rótulo e votaram nas suas interpretações favoritas. A grossa maioria dos votos recaiu nas gravações da noite de 29 de Novembro de 1979 no Pavillon.

Algumas faixas foram retiradas de outros concertos durante a estadia da banda em Paris e foram ainda acrescentados alguns overdubs em estúdio, principalmente para as vozes e o órgão de John Helliwell. No entanto, Helliwell afirmou que a quantidade de overdubs foi mínima, em comparação com a maioria dos álbuns ao vivo da altura. As filmagens de Derek Burbidge, em película de 16 mm, parecem confirmá-lo. No final, “Paris” permanece um colosso de disco ao vivo (um dos melhores de sempre do género) e um vibrante retrato de uma banda no auge das suas capacidades, de músicos virtuosos perfeitamente entrosados e a soar em pungente uníssono e da atmosfera eléctrica que se sente entre a banda e a audiência.

Com “Logical Song” e “Breakfast In America” (a title track do álbum de Março de ’79 que serviu de mote à digressão), Rick Davies e Roger Hodgson tomaram o mundo de assalto, mas o alinhamento de “Paris” acabou por incluir o sumptuoso álbum “Crime Of The Century” (1977) quase na sua totalidade. E esse é um dos grandes trunfos deste disco, a forma como a banda consegue reproduzir em palco, com enorme sofisticação, as dinâmicas e a complexidade do seu som de estúdio. Davies, Hodgson, Helliwell, Dougie Thomson e Bob Siebenberg soam como titãs, desde que soa a hamónica de “School”, no lado A do primeiro LP, até ao grandioso final de “Crime Of The Century”, que encerra o lado B do segundo LP. Cada canção é executada, virtualmente, sem falhas, repletas das tradicionais harmonias dos Supertramp, dos tremendos solos de saxofone e dos intrincados fraseados de pianos e ambientes de sintetização. Além disto, há esse bónus da liberdade de palco, que permite aumentar as canções com improvisos ou solos mais extensos, sempre na medida certa. Assim, se é verdade que as versões de estúdio são fielmente reproduzidas, há esses apontamentos que lhes dão novo vigor.

A química dos músicos soa explosiva, ainda hoje. Será injusto destacar um deles, mas Rick Davies parece capitanear este processo, com o seu carisma e voz inigualáveis e execução e transições entre diferentes teclados que parecem feitas sem esforço. A voz de Hodgson também se ouve cristalina e aqui se percebe como é pouco considerado o seu talento como guitarrista, a suavidade com que ocupa os poucos espaços deixados vagos na frente da mistura e como cola a sintetização com o groove rocker, super trancado, dos baixos de Thomson e baterias de Siebenberg.

“Paris” cimentou os Supertramp entre a galeria das maiores bandas do prog rock da história. O disco obteve aclamação crítica e sucesso comercial. Ao mesmo tempo agradou a gregos e troianos. Encheu as medidas aos fãs hardcore da banda e serviu de portal a muitos outros (o nosso caso). É, de certa forma, o fim de uma era. Hodgson ainda gravaria “…Famous Last Words” (1982) antes de, procurando uma sonoridade cada vez mais pop, sair para uma carreira a solo. Em “Paris”, esse imediatismo está num equilíbrio perfeito com a orientação prog da qual Davies nunca abdicou. Falando em imediatismo pop. O super single “Give A Little Bit” foi excluído do alinhamento deste disco porque, segundo Hodgson, a banda ficou desagradada com o qual mal tocara todas as demos que foram extraídas dos concertos.

“Paris” é uma obra-prima intemporal. Tal como “Crime Of The Century”, mas com o calor e o gáudio do público que se pressente em cada segundo do concerto. Assim está enclausurada a Idade do Ouro dos Supertramp, numa tempestade perfeita, na Cidade da Luz.

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