Pérolas Imundas do Underground (SWR 2023)

Gente danada faz som danado. Nesta rubrica revemos alguns dos mais extraordinários trabalhos criados por músicos portugueses, devotos de volume e distorção extremos, de paisagens sónicas escuras ou violentas e do Grande Bode. Neste volume, elegemos alguns destaques nacionais no cartaz do SWR 23.

É comum dizê-lo, como será em todos os países, que o underground metaleiro nacional tem evoluído muito. Mas quem está familiarizado com a cena heavy portuguesa sabe que depois dos picos de intensidade no início dos anos 90 e alguns apontamentos esporádicos na década seguinte, os grandes discos de música extrema portuguesa não surgiam num fluxo constante. Felizmente, na última década, as coisas mudaram e há cada vez mais bandas e lançamentos com padrões bem elevados na composição, na atitude e nos aspectos sónicos, seja nas proezas instrumentais ou no enorme salto nos valores de produção que advieram da democratização das ferramentas de gravação.

Ainda assim, o metal continua a ser um género bastante guetizado em Portugal e há discos que passam despercebidos aos mais desatentos, quando deveriam ser alvos dos maiores louvores. É isso que pretendemos nesta rubrica. Para visitar os volumes anteriores, numa colecção cada vez maior, entrem nos seguintes links: Primeiro VolumeSegundo VolumeTerceiro VolumeQuarto VolumeQuinto VolumeSexto VolumeSétimo VolumeOitavo VolumeNono VolumeDécimo Volume e Décimo Primeiro Volume, no qual recuamos a alguns clássicos modernos do thrash e death metal nacional.

Em 2023, o SWR FEST regressa com a sua 23.ª edição à vila minhota de Barroselas, entre os dias 27 e 30 de Abril. Depois de uma edição mais intimista e familiar em 2022, no próximo ano vão passar pelos dois palcos do SWR, durante quatro dias, 40 bandas – e a primeira fornada de confirmações foi um luxuoso repasto de negrume, com os Pig Destroyer, Profanatica e Triumph Of Death como maiores destaques. Em anúncio posterior, o grind dos Rotten Sound, o vanguardismo black/death metal dos Imperial Triumphant e o death da velha guarda dos Sadistic Intent lideraram as restantes 20 confirmações que encerram o cartaz do SWR 23. Há também, como é tradicional no certame, uma abundante e qualificada lista de bandas nacionais no cartaz. Os ingressos para o festival estão disponíveis no site oficial do SWR. De seguida, eis os nossos cinco destaques no cartaz deste ano.

Com excepção do black metal, há poucas coisas que sejam tão tantalizantes no SWR como um bom e velho frenesim thrash. Se isso vier servido numa insana mistura de punk, dbeat e speed metal, e se vocês possuem um soft side pelos anos 80, bom… Preparem-se para um dos melhores amanhaceres da vossa vida! Se os NAGASAKI SUNRISE deixaram uma tremenda impressão no seu EP de estreia, “Turn On The Power” (2020), no álbum “Distalgia”, no ano seguinte, elevaram todos os aspectos da sua música ao estatuto de potência nuclear. Velocidade intransigente, leads melódicos de inspiração assinalável e shred. Apetece citar o Athenar, quando passou com os seus Midnight no Main Stage do SWR, em 2019: «You can’t stop guitar shreds and you can’t stop steel»!

O thrash foi a maior força do metal nos anos 80. Contudo, o speed, umbilicalmente ligado à NWOBHM, apesar da sua curtíssima vida original, enraizou-se no imaginário de multidões de metalheads. Como o Grande Bode é providente, há uma crescente (em quantidade e qualidade) vaga revivalista deste género. A cavalgar de forma épica essa vaga, estão os portuenses Wanderer e o seu álbum “Awakening Force” (2020). Uma vibrante colecção de malhões cheios de shred e com um irresistível apelo old school, executado com enorme competência e diligente devoção ao cânone do aço!

Foi na viragem da primeira década do segundo milénio que os bracarenses assumiram de modo meio profético, aquilo que este mundo e sociedade de merda merecia que lhe dissessem. Com um EP homónimo surgiram os VAI-TE FODER. No ano seguinte surgiu “Viciados No Degredo”, o LP de estreia que se tornou num clássico do underground português e, já em 2022, foi reeditado pela Larvae Records. “Poço”, com os seus valores de produção bem acima da podridão lo-fi dos primeiros registos, confirmou o vigor e autenticidade do punk crust emanado por uma banda que ao vivo soa ainda mais demente e caótica. Já com algumas visitas ao SWR, permanece no imaginário de todos o concerto de 2014 e uma rebaldaria épica que culminou com uns, sem exagero, 759 punks em cima do palco, crowd surf a um cão e um par de ébrios e castiços nativos, de volumosa bigodaça, em coreografias de rancho folclórico.

Na pequena cena underground portuguesa, a resiliência é um traço fundamental para qualquer banda. Entre tantas bandas que abdicam do seu percurso, Juca (bateria) e Sérgio Afonso (voz), não só persistiram  firmes no seu credo como fizeram evoluir consideravelmente a ferocidade técnica e a brutalidade death metal dos Bleeding Display ao fim de duas décadas de carreira. O terceiro LP da banda, “Dawn Of A Killer” (2022), é um blaster conceptual que não deslustraria na discografia de uma lenda como Glen Benton. A produção de Samuel Trindade reveste as composições de um som moderno, mas suficientemente abrasivo para que permaneça intacta a selvajaria maníaca da execução.

Numa era de filtros, de cosmética e de uniformização de produções, os Basalto colocaram-nos diante da barbárie sónica, através de um som monolítico e cru, sinestésico do planalto granítico da Beira Alta. A sua viagem discográfica, iniciada pelo trabalho homónimo de 2016, tem vindo a revelar progressivamente a coesão do trio de músicos. “Doença” (2018) e principalmente os EPs “Odor” (2019) e “Cólera” (2020) mostram uma emancipação de identidade bem fundamentada na exploração do peso através do desenvolvimento harmónico e da paulatina convicção estrutural em detrimento do improviso. Ainda assim, o sentido jam de um palco parece permanecer como o mais indicado ponto para o magmático carácter dos Basalto.

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