Gente danada faz som danado. Nesta rubrica revemos alguns dos mais extraordinários trabalhos criados por músicos portugueses, devotos de volume e distorção extremos, de paisagens sónicas escuras ou violentas e do Grande Bode. Neste volume, recuamos a alguns clássicos modernos do thrash e death metal nacional.
É comum dizê-lo, como será em todos os países, que o underground metaleiro nacional tem evoluído muito. Mas quem está familiarizado com a cena heavy portuguesa sabe que depois dos picos de intensidade no início dos anos 90 e alguns apontamentos esporádicos na década seguinte, os grandes discos de música extrema portuguesa não surgiam num fluxo constante. Felizmente, na última década, as coisas mudaram e há cada vez mais bandas e lançamentos com padrões bem elevados na composição, na atitude e nos aspectos sónicos, seja nas proezas instrumentais ou no enorme salto nos valores de produção que advieram da democratização das ferramentas de gravação.
Ainda assim, o metal continua a ser um género bastante guetizado em Portugal e há discos que passam despercebidos aos mais desatentos, quando deveriam ser alvos dos maiores louvores. É isso que pretendemos nesta rubrica. Para visitar os volumes anteriores, entrem nos seguintes links: Primeiro Volume; Segundo Volume; Terceiro Volume; Quarto Volume; Quinto Volume; Sexto Volume; Sétimo Volume; Oitavo Volume; Nono Volume e Décimo Volume, no qual nos focamos nos anos mais recentes da efervescente cena do black metal português.
Depois da pausa em Dezembro/Janeiro últimos, meses em que abundam listas de “melhores do ano”, regressamos com mais cinco trabalhos discográficos que deviam explorar. Desta feita, mergulhamos no thrash e no death metal com um critério largo.
Após duas demos muito bem recebidas no underground durante os anos 90 e uma remodelação no line-up por volta do ano 2000, os Pitch Black começaram a trabalhar seriamente naquele que viria a ser o primeiro longa duração da banda. Guitarrista e dínamo da banda desde a sua fundação, Álvaro Fernandes recorda: «Entramos para estúdio no ano de 2003 para gravar “Thrash Killing Machine” e após uma busca incessante por uma editora, vê finalmente a luz do dia em Março de 2005. De tudo o que fizemos em 25 anos de banda, se tivesse que referir um momento crucial na carreira de Pitch Black, inevitavelmente escolheria o dia 18 de Março, dia em que é oficialmente editado o nosso primeiro álbum de estúdio. O motivo é simples: elevou o nome da banda a um outro patamar – que até à altura não tinha sido atingido – o que era, sem dúvida, uma das nossas principais metas. Os concertos foram imensos, desde praticamente todos os festivais de metal da altura até aos mais pequenos locais do nosso underground. Enchemos casas noite após noite, de norte a sul do país, reunimos um vasto número de fãs e apoiantes que nos seguiam e nos davam toda a força e apoio, figuramos em várias listas dos melhores álbuns de 2005, incluindo o TOP de leitores da revista LOUD!, as reviews foram quase unânimes tanto em Portugal como lá fora e o CD atingiu vendas bastante consideráveis. Tudo graças aos músicos que gravaram este trabalho e aos que também percorreram comigo, lado a lado, todos os palcos por onde passamos». O disco foi reeditado em vinil pela Rastilho, em 2021 e, já em 2022, num novo CD com dois temas extra, via Gruesome Records. Oportunidade ideal para recordar este bagaço!
Os Prayers Of Sanity formaram-se no Sul do país em 2007 e desde a sua primeira demo (“Tuned To Thrash”) tem crescido exponencialmente a cada disco. O mais recente é “Doctrine Of Misantropy” (2021) e é um grande álbum, mas vamos propor o segundo LP, “Confrontations”, de 2012. O álbum de estreia já tinha sido um poderoso statement dos algarvios, mas a banda soava agora ainda mais sólida, com maior destreza e groove na execução instrumental e na sincronização entre a sua mensagem lírica e os seus fogosos riffs. O tema de abertura, que partilha o título do álbum, remete-nos imediatemente para a vibrante década de 80 deste género, referência estética maior neste trabalho que depois nos deixa algumas sugestões em aberto, como os ares croosover de “Too Much To Handle” ou a baladesca “Inside 4 Walls”. De resto, este trabalho é intransigentemente rápido, brutal e old school. Isto significa que a bateria é executada com espartana velocidade rítmica e que as guitarras são um tufão de shred. Se Exodus e Testament (nos seus dias mais vetustos) são a vossa praia, este disco vai encher-vos as medidas.
Editado pela Raging Planet, em 2010, “When The Hunter Becomes The Hunter” foi o pináculo discográfico dos Seven Stitches. Tendo percorrido os caminhos do thrash e do death melódico, durante a década que antecedeu este registo, a banda de Grândola foi capaz de apresentar um álbum com notável desenvoltura na execução de guitarras, com versatilidade e criatividade nos riffs e brutalidade na secção rítmica. A feroz competência técnica dos músicos/banda é um dos grandes predicados deste registo. Fiéis a muitos pressupostos da reputada escola sueca, os Seven Stitches mostraram ser capazes de ultrapassar a simples fase de imitação ou idolatria de grandes nomes e apresentaram-se como executantes sólidos e com fluidez. Infelizmente, a banda parece ter ficado por aqui…
“In Eminent Disgrace” é o histórico e único LP dos Goldenpyre. Após as primeiras demo tapes (entre ’98 e ’01) e o EP “Decrepidemic” (2003), a sombra da tragédia abateu-se sobre a banda e o LP ficou congelado até 2017. Então, pela união de várias editoras nacionais, chegou esta retorcida e obscurantista visão desesperada da humanidade. O seu corpo sónico, de forma literal, sente-se como uma sinestética cápsula ao underground nacional no início do milénio. Os pratos de bateria são sibilâncias debilitadas, mas em contraposição, o bombo e timbalões são devastadoramente troantes. Ainda neste aspecto, há alguma carência de graves, mas as guitarras estão bastante articuladas e ‘in your face’, num som intransigentemente abrasivo. De resto, as limitações sónicas são amplamente compensadas pela solidez das composições. Há aqui qualquer coisa de death/doom, mas este trabalho é essencialmente death metal old school, com sobriedade nos riffs e manifestações técnicas herdadas de uns Immolation, mas sempre mais focado na brutalidade e com uma densidade atmosférica malignamente opressiva.
O Ricardo “Wanderer” passara a década anterior como frontman dos Decayed, naquela que considero a melhor fase da histórica banda nacional. A sua saída deveu-se às mudanças que se preparava para enfrentar a título pessoal, antes de as enfrentar, todavia, reuniu-se com Gabriele Rachello (colega de formação nas lendas do black metal luso), convocou VSC (que depois disto andou desaparecido até surgir portentosamente em “Explosions” dos Phenocryst) e o João Duarte (que aqui gravou o pseudónimo J. Goat) para os Göatfukk. Gravaram “Procession Of Forked Tongues”, um explosivo EP em que black metal, d-beat, thrash e punk são misturados com destreza, velocidade e escárnio sacrílego. A malha “Nocturnal Guidance” e os seus solos, eram um sinal de que J. Goat estava solidamente a transmutar-se num shredder.
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