Triumph Of Death

SWR 23, Triumph Of Death

O histórico concerto dos Triumph Of Death foi a pedra angular do SWR 23, onde se destacou ainda a sacrílega actuação de Profanatica e a maturação de Vai-te Foder.

Foi para isto que viemos, não foi? Certo, nós vamos pelo festival em si, pelo ambiente, pela malta, porque isto é o nosso “natal”, por isso tudo. Mas quase todos os anos Barroselas tem “aquela” banda, a que, se dependesse só do cartaz, era o dealbreaker, era a que nos fazia sair de casa e fazer seja lá quantos km forem para os irmos ver ao negro coração do Minho. E desta vez, tendo o lendário Thomas Gabriel Fischer, aka Tom G. Warrior, a visitar o SWR pela segunda vez – depois dos Triptykon em 2010, daí o boneco do senhor já existir naquela famosa colecção de caricaturas -, com os seus recém-criados Triumph Of Death, a tocar os clássicos dos super-influentes Hellhammer que esperámos literalmente décadas para ouvir ao vivo, não havia grande discussão sobre qual seria o prato principal desta edição.

Só que, como com grande poder vem grande responsabilidade, também havia por onde isto dar para o torto. Estes regressos ao passado não funcionam sempre, ainda por cima em contextos tão particulares como este – a rudeza minimalista dos Hellhammer teve a sua época própria, globalmente e na própria vida e trajecto de Fischer, e nada garantia que o mesmo espírito ia lá estar tanto tempo depois. Mesmo em termos puramente sonoros, é difícil hoje em dia emular aquela salgalhada que são muitos dos temas do icónico projecto pré-Celtic Frost (que durou menos de dois anos, para perspectivar um bocado a coisa), cheia de paixão e de veemência, sim, mas com uma ingenuidade decorrente dos poucos meios que a banda tinha na altura e da própria falta de experiência que Tom G. Warrior, Steve Warrior, Martin Eric Ain e demais integrantes que passaram pela formação tinham no manuseio dos seus instrumentos.

Pois bem, quaisquer dúvidas que houvesse, foram dissipadas, diríamos, ao fim de cinco segundos de concerto. Depois de um período de expectativa com o palco já montado com a iconografia que tão bem conhecemos, a banda composta pelo já referido senhor lendário e rodeado por André Mathieu, Jamie Lee Cussigh e Tim Wey (todos eles com uma postura forte, de competência, mas também discrição e respeito pelo material) entrou em palco e avançou pelo material afora. Sem grandes conversas, com um apontamento histórico ou outro, recordando a origem de alguns temas – e aconselhando, bem-humorado, «patience, grasshopper» a um fã demasiado excitado por ouvir uma canção em particular -, e mantendo todas as suas nuances originais (os que eram cantados por Steve Warrior, como “Blood Insanity”, por exemplo, ficam também a cargo de Mathieu), Tom G. Warrior tem a aproximação perfeita a um concerto com estas características.

O som replicou a crueza necessária para que estes malhões funcionem, sem descurar a potência, e assim sendo, foi só uma questão de ir disparando clássico atrás de clássico. É a parte mais fácil, porque clássicos são todos – aliás, o setlist foi, novamente, exactamente o mesmo de todos os concertos anteriores dos Triumph Of Death. O que está feito, feito está. E o que está feito, diga-se, tem a “cara” do SWR. Em poucos outros sítios a resposta à mítica pergunta «are you morbid?» terá um sim tão unânime como resposta. Os Hellhammer são das farripas de DNA mais universais a toda a história do festival e do seu público, e o significado de estar a ouvir esta música estava bem patente no ambiente reverencial que se estabeleceu.

A reacção mais efusiva terá sido a “Messiah”, mas em todas as malhas houve headbanging furioso e muitos olhares esbugalhados em direcção ao palco, todos nós um bocado incrédulos que este momento estava mesmo a acontecer. Na bela galeria das coisas incríveis que já se passaram em Barroselas e que recordaremos para sempre, este concerto vai tomar lugar de destaque. A setlist de Triumph Of Death no SWR, completa: The Third of the Storms (Evoked Damnation); Massacra; Maniac; Blood Insanity; Decapitator; Crucifixion; Reaper; Aggressor; Revelations of Doom; Messiah; Visions of Mortality; Triumph of Death. [J.C.S.]

Blasfémia

Muito à semelhança dos Autopsy, os Profanatica são um nome lendário no cenário underground extremo norte-americano (também no resto do mundo, porque não?). Apesar de não estarem propriamente a estrear-se em solo luso, depois de por cá terem passado para uma actuação no extinto Le Baron Rouge, nos idos de 2016, eram indubitavelmente um dos nomes fortes desta edição. Vamos lá ser realistas; o que íamos ter pela frente é uma instituição, uma das primeiras bandas a adoptar a estética black metal do outro lado do Atlântico, comandada com punho de aço pelo incontornável Paul Ledney, o homem que saiu dos Incantation porque queria fazer música ainda mais brutal (!) e que, pelo caminho, até com o G.G. Allin tocou ao vivo. E sim, é certo e sabido que o respeito é muito bonito, mas que um legado não se faz apenas do passado, mas os Profanatica têm continuado a gravar de forma consistente e não deixaram créditos por mãos alheias no SWR Arena.

A começar na primeira noite do SWR 23 o seu mais recente périplo pelo Velho Continente, o trio tomou o seu tempo para iniciar os procedimentos e, mesmo ao longo da actuação, notou-se a necessidade de limarem algumas arestas. Entre si; entenda-se; o que passa cá para fora é jarda da boa. Facto: quando uma tour começa, ainda mais uma com início tão caótico como indiciam as movimentações frenéticas do tour manager/merch guy ao longo do dia, é natural que ainda nem tudo esteja 100% no sítio. E sim, também é verdade que, quando tocarem no RCA Club, em Lisboa, a 27 de Maio, provavelmente vamos vê-los ainda mais coesos. No entanto, detalhes como esses, reflexo de uma busca por equilíbrio entre os pés em palco, ocasionalmente com os olhares fixos uns nos outros, afectou a força da brutal descarga com que nos brindaram. Escondidos atrás das suas habituais vestes ritualistas, apoiados num som alto, mas bem definido (e em que aquele tom hiper agreste e cortante do baixo acabou por fazer muitas das despesas do estrago), os músicos debitaram temas com títulos tão sugestivos como “Sacramental Cum”, “Mocked, Scourged And Spat Upon”, “Final Hour Of Christ” ou “Spilling Holy Blood”.

Em suma, fomos brindados com uma enxurrada implacável de distorção grave e explosiva cortesia da secção rítmica, vocalizações rosnadas – com o Sr. Ledney, sentado atrás da bateria, a ser o foco de todas as atenções – e riffs de guitarra macabros, cruzados com ecos alucinados. A proverbial cascata infinita de metal cru, old school e totalmente demoníaco, que não oferece descanso, melodia ou qualquer merda dessas que não interessam para nada neste campeonato. Garantida a destruição ara os fãs mais brutos do género, a gente que se desloca anualmente a Barroselas, não precisaram sequer de fazer grande esforço para conseguirem sugar a audiência num vórtex de caótico black/death/doom, capaz de satisfazer qualquer afecto da tradição de Ross Bay ou até o mais metaleiro mais incauto, mas que não se furta a ser massajado por colossais descargas sónicas de distorção pela madrugada dentro. [J.M.R.]

Garra Fodida

Directamente vinda de Braga, mais especificamente d’O Poço, esta malta dos Vai-te Foder tem crescido a olhos vistos. Muitas vezes confundidos com uma mera party band que nos põe um sorriso nos lábios – porque… Bem, basta olhar para o nome e dizê-lo em voz alta – são hoje muito, muito mais, que isso. É verdade que, na memória, trazíamos a presença de há uns anos neste mesmo palco, em que, à semelhança do que se passou no fim de semana passado, encerraram mais um dia de devastação com um bailarico dantesco. Nesse ano foi rocambolesco, com a banda a debitar uma sova caótica para uma plateia à beira da loucura. No entanto, se nessa ocasião se tinham revelado mais inesquecíveis pelos pormenores periféricos e bizarros (um cão a fazer crowdsurfing, por exemplo) do que pela música propriamente dita, desta vez causaram uma impressão bem diferente.

Como se tivessem renascido no caos de outrora, em 2023 os VAI-TE FODER já têm duas décadas de percurso às costas e estão transformados numa unidade tão sólida que, mesmo com poucos ensaios e com um retorno imperceptível em cima do palco, como os ouvimos dizer no bar da piscina, parecem estar num ponto em que não conseguem dar um espectáculo menos sólido. Entre o grind, o punk crust e o metal, armados com os temas da novidade “Cansado” (que estava a ser lançado naquele primeiro dia de SWR) e também com alguns petardos mais antigos, o que fizeram foi fustigar a audiência com as suas cuspidelas de bílis disfarçadas de canções.

A plateia, claro, fez a festa o melhor que pôde. E não, este ano, não houve momentos bizarros fora do palco que tenham ficado para a memória, mas em cima, dele mostraram-nos uma garra do caraças – e isso também não se esquece. [J.M.R.]

Foto de Slaughterwytch (no cabeçalho) por Bruno Costa.

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