SWR Feast, O Negrume Luso

Speedemon, Besta, Boulder, Grievance, Alcoholocaust, Midnight Priest, Equaleft, Simbiose e Filii Nigrantium Infernalium deixaram ecos de pujança do underground nacional em Barroselas. Os últimos deram um dos melhores concertos da edição de 2022 do SWR.

2022 marcou 25 anos sobre a primeira edição do SWR – BARROSELAS METALFEST e foi, na realidade, a 23ª edição do evento. Pelas razões sobejamente conhecidas foi uma edição mais reduzida, apropriadamente apelidada SWR FEAST. Apesar das condicionantes que no mundo das digressões são ainda muitas, particularmente financeiras e logísticas, os passos a dar foram curtos, para não comprometerem o futuro. Por tudo isso, a edição deste ano apenas incluiu dezasseis bandas, divididas por dois dias e o mesmo número de palcos. Todavia, a organização esmerou-se por proporcionar uma experiência memorável a todos os que visitaram Barroselas (com números a ultrapassarem ligeiramente o milhar em ambos os dias). E os concertos não desiludiram, bem pelo contrário. Já deixámos a nossa impressão da triunfal actuação dos Autopsy. Debruçamo-nos sobre as explosivas injecções de thrash/death old-school dos Skeletal Remais e dos Sijjin. E evocamos a gélida atmosfera dos Mgła. Altura de ponderar sobre a presença do underground lusitano nos palcos do SWR Feast. E, desde logo, sobre o trio de projectos que se “enfrentou” na Metal Battle, para determinar a banda que iria representar Portugal no mítico festival Wacken Open Air, na Alemanha, em Agosto.

Speedemon, Boulder e Grievance. Speed/thrash, doom/stoner e black metal, respectivamente. Qualquer uma das bandas lutou contra o PA do palco Café SWR, que clipava recorrentemente na sobrecarga de graves – uma experiência que está bastante atenuada nos streamings de cada um dos dias. Os Speedemon lutaram também com o facto de serem a banda que abriu o festival, enfrentando também a letargia dos headbangers que, entre bilheteira, primeiros copos e abraços há muito adiados, muito lentamente se foram reunindo para espiar a tecnicamente competente actuação dos vila-franquenses, apoiada no seu álbum de 2019, “Hellcome”. Os Boulder puderam exibir-se diante de uma maior concentração (e fluxo) de festivaleiros, mas pelas características do seu som, terão sido a banda que mais esteve sujeita aos humores do PA. Suportando-se na solidez dos temas do trabalho homónimo que a Gruesome Records lhes editou em 2020, destacaram-se pelos cruzamentos entre cordas (instrumentais e vocais) limpas – momentos em que melhor se manifestaram – e a parede de distorção, recolhendo maior entusiasmo nas tradicionais galopadas do stoner rock. Uma proposta interessante mas que, nesta humilde opinião, necessita de ganhar maior controlo na dinâmica das transições entre os contrastes estéticos que promove. Quanto aos Grievance, digamos que ostentar influências de Burzum e Darkthrone colocou o histórico projecto de black metal caldense (já nos 25 anos de actividade) a jogar em casa. A banda, com cada vez mais membros, revela também cada vez mais competência na mistura que faz do seu caldo de primordial black metal “clássico” e sofisticadas camadas melódicas. Foi um bom concerto. Na altura em que escrevemos este texto, ainda não sabemos qual das bandas ganhou o bilhete para o W:O:A 2022.

Os Besta inauguraram o palco principal no primeiro dia. Aos membros fundadores, o baterista Paulo Lafaia e o guitarrista Rich Chain, e ao vigoroso frontman Paulo Rui (Redemptus) junta-se agora o guitarrista Ricardo Matias, que acompanha os outros dois instrumentistas nos Sinistro. O reflexo imediato da opção por duas guitarras, em vez do baixo, é que a banda soa ainda mais crua, mais punk, devido à sobrecarga de médios. De resto, não há grandes compromissos na intransigência estética dos Besta, bem old-school e catapultada, como sempre, pela força bruta desse maquinal baterista que é o Lafaia. Talvez que, sem o groove natural de low end de um baixo se tenha perdido algum dinamismo, mas agressão foi constante. Já por esta altura sentia-se que esta versão compactada do festival poderia ultrapassar as expectativas do número de público e também, logo no primeiro concerto do palco principal, era estabelecido um padrão elevado nas actuações. A abudante setlist foi: Vermes; Cravado em Lume Negro; Abutres; Apóstolo do Terror; Amigo Tóxico; Sincronismo do Mal; Repúdio Alarmante; Nas Garras do Mandarim; A Coisa; Eles Vivem; Herança Macabra; Portugal em Chamas; Estrela Negra; Requiem Macabro; Morte Silenciosa; Diamorte; Azul, Vermelho e Branco; Porco Azul; Social Sterility; Neoselvagens; O Fedor da Tua Mente; Assalto à 13ª Esquadra; Cidade dos Malditos.

No dia seguinte, no mesmo papel de abrir hostilidades no main stage, os Midnight Priest não conseguiram ser tão consistentes, demorando muito a “aquecer” e oscilando bastante na sua performance, algo desgarrada (já os vimos fazer muito melhor), ainda que muito celebrada pelo público. Já os Equaleft estiveram no primeiro dia do fest a fazer prova dos efeitos da preserverança. Sem lançamentos em catadupa e concentrando-se na sua solidificação enquanto grupo, desde que se estabeleceram em 2004, tem redimensionado o groove metal dos portuenses. E se a ambição da banda produziu malhões memoráveis em “Adapt & Survive”, de 2014, a competência técnica dos músicos atingiu um zénite em “We Defy”, de 2019. Cheios de confiança nas suas capacidades, fizeram suar o PA do Café SWR e também o público ali reunido. Se o PA se “borrava” a cada breakdown, a força destes dava para os sentir de forma quase intuitiva. A setlist foi salomonicamente dividida pelos dois LPs: Fragments; New False Horizons; We Defy; …The Chameleons; Overcoming; Strive; Uncover The Masks.

Um dos pontos fortes dos Simbiose, durante muito tempo, foi a dinâmica de dois vocalistas. Apenas com um, surgem com a sua fisionomia coesa e potente, deixando de lado a unissonância em que o género pode tender a embarcar, até porque o colectivo mistura com mestria o seu crust/grind, sem recorrer a blast beats a torto e a direito, com algumas idiossincrasias mais vívidas do thrash e estruturas tradicionais do punk. O poder que faltava ao som demasiado “despido” de guitarra foi largamente compensado pela ferocidade de execução do Nuno Rua, pela impactante (não dizemos intimidante porque ele é um porreiro) presença e voz do Jonhie. No fundo, aquilo a que os Simbiose nos habituaram ao longo dos anos.

O último concerto no Café SWR foi um dos melhores do festival. De certa forma, terá sido mesmo o melhor. A demente estridência dos Filii Nigrantium Infernalium exsudou autenticidade esquizofrénica, numa sala onde não cabia nem mais uma hóstia (um concerto à antiga), e transcendeu mesmo as limitações do aparato de som e luz do espaço. Comandados pelo seu icónico e irascível frontman, Belathauzer – por aqui cremos que terá algures olhado o abismo referenciado por Nietzsche e que esse abismo o olhou de volta – com as suas vozes à “Accept com uma dieta à base de cocaína”, e pela enorme presença e versatilidade que o guitarrista João Duarte tem vindo a desenvolver progressiva e exponencialmente. Os Filii promoveram uma frenética e lunática mistura de riffs orelhudos, ritmos abrasivos com propulsividade heavy metal (e até algum d-beat) e humor profano. Cada batida, cada nota, soou visceral em toda a setlist: A Era do Abutre; Inverno, Trono Inverno; Labyrinto; Não Há Futuro; Calypso; Herança de Outono; Abadia do Fogo Negro; A Forca; Cadafalso.

Uma palavra para Alcoholocaust. No segundo dia do festival, à hora que tocavam «não dava, jogava o Benfica». Nada contra a banda, bem pelo contrário. Foto de entrada do Marco Valente. Fotos de artigo do Emanuel Ferreira. Até para o ano!

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