Carcass, R**k The Vote

A banda tinha-se separado, o disco foi editado devido a obrigações contratuais e desprezado por meio mundo e pela própria banda, de certa forma. Eis o controverso “Swansong”, o seu rott ‘n’ roll, e esse malhão que mistura um olhar cínico sobre as democracias liberais ocidentais e NWOBHM, “R**k The Vote”.

Numa entrevista com Andrew McKaysmith, do podcast “Scars And Guitars”, o ás da guitarra dos Carcass, Bill Steerreflecte sobre a preponderância que os pioneiros britânicos do metal extremo adquiriram com o passar do tempo e sobre o axiomático álbum da sua carreira, “Heartwork”, e o sempre desconsiderado “Swansong”, que lhe sucedeu e tanta turbulência criou em torno da banda, que nos últimos anos fez as pazes com esse passado. «Há distância suficiente – se há uma coisa que te costumava incomodar, [com o tempo] torna-se inofensiva. Essa é uma das coisas boas de se envelhecer, acho. Lembro-me que com cada uma das gravações daquela primeira série de álbuns que fizemos desde o final dos anos 80 até meados dos anos 90. Em cada disco, havia elementos com os quais não estávamos particularmente satisfeitos. Por vezes, ficamos bastante desorientados com essas coisas. Em retrospectiva, já não consegues sentir-te assim. Após um período de tempo, olhas com nostalgia para tudo isso», confessou.

Mas houve um álbum que pareceu perfeito. Culminando a ascenção trilhada nos três discos anteriores “Reek of Putrefaction” (1988), “Symphonies of Sickness” (1989) e “Necroticism – Descanting the Insalubrious” (1991), em 1993 “Heartwork” revelou uma banda no auge das sua capacidades musicais, com cada um dos elementos entrosados numa impressionante teia dinâmica de destreza de execução, criatividade e ainda muita da agressividade original, embora já com uma produção mais abrangente, o que Steer admite: «Não usaria a palavra “controvérsia” porque talvez seja demasiado forte, mas se estiveres a olhar para “Heartwork” e para o seguinte, o álbum que se tornou “Swansong”, que fizemos em 95 e acabou por surgir depois de termos acabado em 96, esses são os dois álbuns que mais calorosamente são debatidos. Obviamente, o ‘Heartwork’ é o mais elogiado, suponho. Foi o que se vendeu melhor de todos esses discos, mas na altura em que o fizemos, foi muito divisivo porque penso que talvez as pessoas sentissem que a produção era demasiado boa e que tínhamos abrandado um pouco demais para o seu gosto. Ainda estamos a tocar rápido, mas havia uma variação em curso e havia algumas músicas que estavam numa zona de tempo médio e penso que isso era demasiado para alguma malta. Estávamos cientes de que isso ia acontecer. Sentimo-nos bem ao tocar aquelas músicas. E sim, no fundo, foi óptimo quando aquele álbum começou a conseguir algum tipo de acolhimento e a ser classificado pelas pessoas. Foi encantador. Apenas levou o seu tempo. Não era um disco particularmente popular na altura em que foi lançado».

Se “Heartwork” foi desconsiderado na época, então o que dizer de “Swansong”. O quinto álbum dos Carcass tem sido alvo de desprezo desde que foi editado. «No disco seguinte [“Swansong”], a banda já tinha passado à história quando saiu, mas deduzo que tenha sido bastante desprezado. Teve um período de incubação ainda mais longo, até que algumas pessoas acabaram por lhe aderir. Conheço pessoas que preferem esse entre todos os nossos discos», admite o músico.

E de facto, admitimo-lo aqui também. Certamente, o grind está fora desta equação e até o death metal está bastante filtrado. Não nos lembramos, assim de repente, de um blast beat em “Swansong”. No fundo, o último álbum dos Carcass – como se pensava que fosse na altura – não foi aquilo que se imaginaria. É ainda mais melódico e á, basicamente, um disco de rock revestido de uma sonoridade esmagadora, fruto de uma produção extremamente orgânica. Todos os instrumentos soam sólidos, articulados entre si e fortíssimos (não há outra produção dos britânicos em que se escute tão distintamente o baixo de Jeffrey Walker). De facto, o poder de amplificação neste disco torna os riffs colossais e o cruzamento das guitarras de Bill Steer e Carlos Regadas absolutamente singular. Ao longo do álbum podemos ouvir a melhor colecção de solos de guitarra na discografia dos Carcass. A intenção aqui não é analisar profundamente este disco, mas uma das grandes obras-primas da banda, a groovy e algo NWOBHM “R**k The Vote”.

Há certamente um sentido Maiden ou Thin Lizzy neste petardo que expressa um explícito cinismo sobre as democracias liberais ocidentais, o seu compromisso com valores como a liberdade e o individualismo e como, no fundo, os governos e a própria democracia são alvo de intervenções cosméticas nos media (que controlam) para mascarar aquilo que, na verdade, é um progressivo sentido de conformidade e supressão da opinião e do debate político autêntico.

Um pensamento sobre “Carcass, R**k The Vote

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